(Gravity, USA, UK, 2013) Direção: Alfonso Cuarón. Com Sandra Bullock, George Clooney.
Por João Paulo Barreto
Alfonso Cuarón consegue uma
proeza: em um filme enxuto (apenas 90 minutos), apenas uma personagem sozinha
durante quase toda a projeção e ainda assim o co-roteirista e diretor consegue
criá-la com uma profundidade dramática cuja dor de um passado trágico surge de
modo natural e dolorosamente cativante.
Exato, não somente pelos efeitos
visuais fantásticos, pelos planos sequenciais hipnóticos e pela trilha sonora
sufocante de Steven Price; Gravidade cativa
o espectador pela dor na história de vida da médica e astronauta de primeira
viagem Ryan Stone (Bullock) e pelo modo como esses detalhes particulares da
personagem são sutilmente inseridos em uma trama aparentemente simples, cujos
contornos psicológicos, porém, fazem toda a diferença.
Solta à deriva no espaço após sua
estação ser atingida por destroços de satélites na órbita terrestre, Stone precisa
chegar a outra estação espacial sendo essa sua única forma de voltar a terra.
Com apenas esse fiapo de história, um diretor qualquer faria um filme qualquer.
Porém, Curón já havia dirigido Filhos da
Esperança. Ou seja, havia algo ali que poderíamos confiar que geraria um
resultado no mínimo curioso. O que veio, no entanto, foi algo espetacular.
Clooney e todo o seu modo cool Clooney de ser |
Sim, Gravidade é um espetáculo visual. Porém, não é um filme que se
suporta somente nisso. Quando vemos, do alto do espaço sideral, a bota que
forma a Itália em toda sua grandiosidade e reconhecimento, aquilo não é apenas
uma forma do filme exibir sua competência plástica, mas, sim, uma moldura para
uma história cuja profundidade vai muito além disso.
Nessa história, George Clooney
interpreta, claro, George Clooney. No entanto, na pele do experiente astronauta
Matt Kowalski, o ator traz uma confiança que o papel exige. Com sua presença cool e sorrisinho de canto de boca, traz
um autoridade que se equilibra entre a necessidade de ter pulso firme quando necessário
e a doçura e camaradagem de um profissional que sabe como utilizar suas dezenas
de horas no espaço como algo a trazer conforto e segurança para seus colegas
inexperientes nesse campo.
Uma das cenas chave do filme
nesse sentido é a conversa confessional entre Stone e Kowalski. Visivelmente
buscando acalmar a doutora no sentido de fazê-la respirar devagar e não esgotar
seu oxigênio (“vinho, doc, não cerveja”),
Matt pergunta, enquanto um country music
toca na saída de som de seu traje, sobre o que ela estaria fazendo se estivesse
em casa agora. Se há algum Sr. Stone lá embaixo olhando pra cima e sonhando com
ela. Na crueza da resposta (“Eu tinha uma
filha. Ela bateu a cabeça e morreu”) e no silêncio posterior, sem música e
sem palavras, nota-se que o astronauta percebeu ter adentrado em um terreno um
tanto áspero para se movimentar. Seu silêncio soa melhor que qualquer tentativa
de conforto.
Bullock no momento mais marcante e dramático de sua atuação |
E o roteiro de Cuarón (escrito em
parceria com seu filho, Jonás) nos traz esse passado trágico como uma pista
cuja belíssima e tocante recompensa aparecerá em uma das cenas chave do filme. Nessa
cena, toda a esperança de Ryan parece se desvanecer, mas a lembrança de uma
garotinha “com cabelos cheio de nós e que não gosta de escová-los” lhe traz
força para não desistir. Mais do que um filme de plasticidade e efeitos
perfeitos, Cuarón construiu um drama que se sustenta.
E, além do espetáculo visual que
nos remete, obviamente, a Kubrick e Tarkovsky, o que mais chama atenção em
gravidade é a atuação de Bullock, uma atriz que, conhecida por sua inegável limitação
de talento, entrega uma atuação que merece aplausos por dramaticidade e competência.
Talvez dessa vez o Oscar lhe seja realmente merecido.
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