(Prisoners, EUA,
2013) Direção: Denis Villeneuve. Como Hugh Jackman, Jake Gyllenhaal,
Paul Dano, Viola Davis, Maria Belo, Terrence Howard.
Por João Paulo Barreto
As proezas de Denis Villeneuve ao
dirigir Prisoners começam desde a
sutileza da escolha de seu título. Claro que essa escolha passou pelo crivo de seu
roteirista, Aaron Guzikowski, mas, sem precisar entrar no mérito do crédito da
escolha, o título original se destaca por não permitir que sua história caia em
uma falsa (e fácil) separação maniqueísta de seus personagens. Exatamente por
isso que sua versão nacional seja tão estúpida por querer reduzir um filme de
tamanha complexidade a uma imbecil trama global de Silvio de Abreu.
Prisoners é uma obra que não pretende definir seus personagens em bons
ou maus. Sim, nesse universo de dor e claustrofobia,
não há esse fácil reconhecimento. Todos são prisioneiros. As únicas vítimas
nessa história de perda são as crianças. Sejam elas realmente infantis ou adultos
que há muito tempo tiveram suas infâncias despedaçadas e hoje não conseguem
viver com esse buraco em suas
consciências. Na história criada por Guzikowski, não há uma definição fácil do
que é bondade ou maldade. O que há é uma definição perfeita do que é o ser
humano em suas ambiguidades.
A história do desaparecimento de
duas crianças e a busca dos seus pais por qualquer rastro que elucide esse
mistério se torna um excelente estudo do que é o Homem e como suas atitudes
podem defini-lo como um escravo do lema “os fins justificam os meios”. E esse Homem
é capaz de perder todo e qualquer traço de sua dita humanidade para reaver
aquilo que é lhe é mais precioso. Quando ouvimos Keller (Hugh Jackman) afirmar
que Alex (personagem atormentado de Paul Dano) perdeu seu direito a ser tratado
como um ser humano, o que acontece é justamente a desistência de Keller para o
seu próprio status como o qual. Mas este homem não desistirá muito fácil dele,
mesmo que suas atitudes para recuperar sua filha mostrem justamente o
contrário.
Jackman: Atuação brilhante no papel de um pai sem limites para encontrar a filha |
Exibindo-o como uma pessoa
extremamente racional e pragmática (“espere pelo melhor, prepare-se para o pior”
é o seu mote), o filme apresenta Keller desde sua primeira cena como uma pessoa
de extremos. Centrado em sua fé católica, a sua primeira fala no filme já
apresenta uma oração religiosa durante um momento de morte, quando pai e filho
se preparam para abater um cervo dentro de uma floresta congelada cujos troncos
das árvores fazem uma perfeita alusão ao título do filme. E a forma como o
diretor opta por mostrar o cervo abatido através do vidro condensado do carro e
as crianças através de um mesmo enquadramento, só que de outro veículo, denota
uma rima visual extremamente rica que coloca a todos como vitimas: o cervo
morto por predadores para alimentar um jantar de ação de graças e as crianças
sendo observadas por um outro possível predador.
Com um porão repleto de alimentos
e baterias estocados, Keller é uma pessoa que gosta de manter tudo sob seu
controle. E é justamente a perda disso que o faz tomar as atitudes dos próximos
dias. Ele se atém ao último estágio de sua natureza bondosa e evita ao máximo
machucar aquele que ele acredita ter lhe causado tamanha dor. Quando as
lágrimas correm pelo seu rosto abatido e insone, percebemos ser mais do que
verdadeira sua declaração para Alex quanto a sua não disposição a machucá-lo,
mas, sim, uma necessidade extrema em sua atual posição.
É um filme de atmosfera pesada. A
fotografia do mestre Roger Deakins torna aquela cidade chuvosa ainda mais fria.
A claustrofobia dos personagens é refletida na pouca luz natural. Eles parecem
viver como que escondidos do sol. Quando o detetive Loki (vivido por Jake
Gyllenhaal de forma soturna e a beira de uma explosão) entra em cena, a luz
fluorescente de um restaurante torna sua expressão dura e sua palidez ainda
mais salientes. E o mesmo se repete em seus momentos na delegacia, quando tem
que interrogar os suspeitos do sequestro e não se incomoda em usar sua presença
física e tatuagens para intimidá-los fazendo-os dizer o que ele precisa ouvir.
E falando em suas tatuagens, toda a construção de Gyllenhaal para Loki é de uma
perfeição soberba. Desde seus tiques faciais até seu modo extremamente formal
de se vestir que parece servir para esconder sua pele, passando por pistas de
um passado problemático (“Eu vivi em um reformatório, padre. Não terei problema
nenhum em machucá-lo”), toda essa construção nos faz imaginar quem é aquele homem
quando não está fazendo valer seu título de detetive.
Gyllenhall: presença física para intimidar suspeitos |
Não somente Gyllenhaal, mas Paul
Dano merece um reconhecimento por sua atuação. Apresentando-se como um ser
patético que oscila entre a pena e o desprezo de quem o observa, Dano consegue,
com pouquíssimas falas e uma expressão continuamente perdida, construir um
garoto que parece desejar sair daquela vida atormentada, mas que não pode. Sua
expressão minimalista de alívio quando arguido se deseja mal a certa pessoa,
mas censurada ao perceber-se que poderá sofrer sérias consequências por aquilo,
denota perfeitamente bem o inferno vivido em sua vida.
E, finalmente, Hugh Jackman, que
entrega um atormentado e amoroso pai em busca de seu maior tesouro. O momento
em que ele precisa reconhecer peças de roupas classificadas como evidências e,
em uma expiração, deixa escapar toda a dor que está sentindo ao perceber ter
chegado tarde demais, denota um ator em total domínio de sua atuação. Essa
cena, especificamente, me remeteu ao momento em que Marlon Brando, como Don
Corleone, recebe a notícia da morte de Santino, seu primogênito. Como no
clássico de Coppola, o personagem Keller Dover sabe que precisa manter-se
pragmático, tanto que aquele é a única reação de dor e tristeza que permite ter
perante o detetive que havia acusado de relapso. Logo após esse alívio, sua
atitude é acusá-lo pelo ocorrido e voltar a sua família.
Prisoners é um filme que não busca redenção ao seu espectador. E
exatamente por isso mereça uma atenção tão especial. É uma obra dolorosa que
sufoca quem a assiste, mas que, ainda assim, ajuda a manter certa fé e
dignidade na humanidade. Após Incêndios, longa
anterior de Villeneuve, a recuperação mínima dessa fé é algo que se deve
abraçar com toda força.
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