(The
Grand Hotel Budapest, EUA, 2014) Direção: Wes Anderson. Com Ralph Fiennes,
Tony Revolori, Harvey Keitel, Jeff Goldblum, Adrien Brody, Jude Law, F. Murray
Abraham.
Por João Paulo Barreto
Apresentando um leque de
personagens excêntricos, cujo caráter e natureza são colocados ao julgamento do
espectador durante todo o tempo, mas que, ao final, é inegável um
reconhecimento de suas qualidades, Wes Anderson se superou em O Grande Hotel Budapeste.
Apesar do título do filme nos
levar a crer que se tratará de uma história passada totalmente no ambiente do
hotel, com seus excêntricos habitantes como objetos de estudo em um habitat
restrito, como uma crônica ilustrada das histórias que aqueles quartos podem
conter, a abrangência de Hotel Budapeste é,
no entanto, bem maior. Tanto geográfica quanto emocionalmente.
M. Gustave H. (Ralph Fiennes) é o
concierge do lendário hotel no período que antecede a guerra na
Europa. Mais do que isso, ele é o gerente e principal responsável por manter o
lugar funcionando. Atento a todos os detalhes, passa a treinar um novo ajudante
e carregador de malas, garoto sugestivamente chamado de Zero. O homem, notório
amante de senhoras ricas que se hospedam no hotel, precisará viajar para o
funeral de uma delas, Madame D., de quem se torna herdeiro de uma caríssima
obra de arte. Acusado de assassinato, Gustave acaba sendo preso e é através de
sua tentativa de fuga e prova de inocência que o roteiro do filme se estenderá
de forma brilhante.
Gustave e Madame D., uma de suas ricas e idosas amantes |
Os personagens citados no começo
são os mais precisos retratos da capacidade que o cineasta tem de
tornar palpáveis figuras ao mesmo tempo surreais e cativantes. É o caso de
Ludwig, presidiário vivido por Harvey Keitel, e seu grupo de companheiros de
cela, que incluem Gustave em seus planos de fuga após se encantar com sua
gentileza e simpatia no ato de servir mingau de cela em cela. O mesmo se vê no
brutamontes assassino que, de início podendo ser encarado como alguém de poucos
amigos, se releva fator principal no sucesso do plano de fuga dos rapazes. Mesmo que cometa um assassinato logo após, na ironia cruel de toda essa análise.
Claro que uma das razões para
Gustave permanecer naquele grupo é seu poder de levar para prisão peças metálicas
escondidas em doces finos, que, levados por Zero, passam pela revista da guarda
sem a possibilidade de serem destruídos por conta de seu aspecto delicado. Em
um enquadramento que já é símbolo do cinema de Anderson, vemos outros alimentos
como pães, bolos e salsichões serem retalhados para não revelarem nada de
perigoso em seus interiores. Ao chegar a vez da iguaria fina trazido por Zero,
a mesma passa pela revista sem nenhuma problema. É uma metáfora precisa que
simboliza justamente os habitantes do universo que Anderson criou. Seres de
exterior suspeito, mas de atitudes que revelam caráter e camaradagem.
Ludwig: o homem com o plano |
Não somente um filme a tratar da
excentricidade dos seus personagens, mas, também, da natureza do homem e do
conceito de se tornar um ser humano melhor através dos próprios atos. Algo
definido de modo perfeito por Zero ao se referir a seu mestre e amigo Gustave e
dizer “ainda há fracos vislumbres de bondade e civilidade deixados nesse
matadouro bárbaro antes conhecido como humanidade. Ele era um desses vislumbres”.
É justamente essa reflexão que Anderson buscava com seu longa. Mais preciso,
impossível.
Com seu universo de cores fortes
e minimalismos, reforçado pelos habituais planos detalhes a exibir objetos que
compõem as cenas, Anderson traz seu notório controle da mise em scène,
juntamente à simetria da construção de seus quadros, criando, assim, seu melhor
trabalho.
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