quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Cachoeira Doc 2016 - Mostra Competitiva VII



Nunca é Noite no Mapa (Pernambuco, 2016, 6min) Direção: Ernesto de Carvalho.

Vencedor do prêmio de Melhor Curta Metragem da edição 2016 do Cachoeira Doc, Nunca é Noite no Mapa apresenta uma ideia simples, mas de uma sagacidade impar. Trata-se do tipo de filme cujo tema central e modo de execução rimam em um pertinente uníssono e cuja denúncia contida em seu conteúdo reverbera de forma ainda mais evidente por conta dessa mesma forma de execução.

A partir de visitas ao google mapas espaçadas por intervalos de tempo, o diretor Ernesto de Carvalho avalia as imposições arbitrárias realizadas em Recife durante o período que antecedeu a Copa do Mundo, registrando as mudanças que ocorreram na região, com a derrubada de casas para a passagem de novas avenidas.

O diretor se insere em seu experimento se tornando objeto de observação
Ao se colocar como elemento dentro do seu filme, o narrador/diretor observa as mudanças ao seu redor como um dos elementos diretamente afetados por aquelas ações agressivas. Não que ele já não cumprisse esse papel, uma vez que vive dentro daquela realidade. Mas, ao se propor analisar os objetos dispostos dentro do mapa do mesmo modo como eles são classificados por aquele olhar digital e desumano, o narrador acaba por trazer uma nova perspectiva, tornando o mapa a sua realidade e mantendo-se ali, inserido até o fim, como sendo apenas isso: um objeto a ser apenas exposto sob a visão de uma máquina.  

Assim, as camadas daquele universo vão sendo sobrepostas uma após a outra, trazendo à tona a forma selvagem com aquelas mudanças são impostas. Em seu título, um congelar do tempo é proposto pelo filme. Nesse ínterim, pessoas são descartadas dentro de um universo virtual.

Algo que reverbera e reflete de modo brutal na realidade que serviu como modelo fotográfico para aquele registro atemporal.

*             *              * 

Fort Acquario (Ceará, 2016, 7min) Direção: Pedro Diógenes.

Das formas mais eficientes de se denunciar o abusivo poder dos mais abastados sobre uma população que os sustenta, a tática de se usar seu próprio discurso contra o opressor é uma das que melhor funciona.

Em Fort Acquario, o diretor Pedro Diógenes consegue essa proeza de modo bastante eficiente. Ao utilizar a oportunista fala de um arquiteto ao expressar-se sobre todos os supostos benefícios que a construção de um aquário de visitação pública trará à praia de Iracema, em Fortaleza, Diógenes contrasta toda a argumentação ensaiada do homem com fotos da utilização da praia de modo democrático e acessível a todos. Da forma como deve ser.

A observação do uso do espaço público como ele deve ser: sem apropriações
Nesse intento, as imagens de pessoas a caminhar pelo calçadão com os tapumes da obra a destoar da paisagem e as palavras do arquiteto a afirmar que aquela será uma revitalização que trará de volta ao lugar as famílias que lá merecem frequentar, servem justamente como um resposta das mais eficientes àquela forma baixa de se vender uma ideia.

Na opressão imposta pela classe dominadora que insiste em se apropriar dos espaços comuns em nome de uma suposta segurança geral, o filme ainda acerta em cheio ao usar a voz daquela que, até então, era um dos símbolos de rede Globo, talvez a maior aliciadora de intelectos e manipuladora de fatos em detrimento de interesses escusos como os que estavam por trás daquela construção em Fortaleza.


*             *              * 

Dia de Pagamento (Pernambuco, 2015, 28min) Direção Fabiana Moraes.

Como um filme de personagens que se encadeiam a partir da narração em off que guia o espectador por duras trajetórias de vida,  Dia de Pagamento funciona através de um registro do modo como um suposto progresso muda a vida de gente simples. Nem sempre para melhor, friso. Na estrutura de seu documentário, a cineasta Fabiana Moraes insere a encenação de situações que ajudam a compor a mise en scène do filme e colaboram com uma quebra do que correria o risco de se tornar uma estrutura documental clichê.

Não é o caso aqui. Nas apresentações de seus personagens, a diretora traz suas histórias e rotinas de modo a familiarizar o espectador com aquela realidade. A de pessoas como a dona de casa e mãe de três filhos, que trabalha por pouco mais de mil reais e têm nessa quantia a perspectiva de um mês inteiro. Que precisa pagar em dez prestações quatro cadeiras plásticas, mas que consegue observar o mundo ao redor de sua casa pequena e perceber que ao menos aquilo lhe pertence. Na pequena habitação adquirida, ela consegue se sentar à porta e observar aquilo como sendo seu.

O registro das mudanças em nome do suposto progresso
A representação do progresso em questão é a transposição do Rio São Francisco, obra que altera rotinas e difere paisagens. Nessa mutação de toda uma região, as mudanças podem ser traumáticas justamente pelo modo temporário e fugaz com que seus benefícios se apresentam. Um exemplo disso está no enquadramento que conta a história do dono do bar que faturava cinco mil reais por mês no auge do movimento de operários, mas que, agora, tem sua renda mensal restrita a quinhentos reais.

É um filme humano em sua essência. Por mais simplória que essa definição possa parecer, ela tem sua eficiência na forma como a diretora Fabiana Moraes consegue captar uma face única de seus entrevistados. Seja no gracioso momento em que ensina uma senhora a linha que ela terá que proferir (sendo necessárias diversas repetições) ou na triste abordagem de outra moradora idosa que conta a experiência de perder seu jumento para uma pedrada oriunda de uma explosão planejada (isso sem contar o fato de que a indenização que lhe ofereceram foi de dez reais). É nestes encontros que a obra se constrói e encontra seus melhores resultados.

*             *              * 


Aracati (Rio de Janeiro e Ceará, 2015, 62min) Direção: Aline Portugal e Julia de Simone.


É curioso o fascínio gerado pelo média metragem Aracati,dirigido pelas professoras de roteiro Aline Portugal e Julia de Simone. Trata-se de um filme extremamente sensorial, um literal estudo do vento que leva o nome título do filme e que tem como sua característica mais marcante o fato de que sopra no mesmo horário diariamente, levando movimento a várias turbinas geradoras de energia eólica no estado do Ceará e a certeza de uma rotina infalível aos moradores da região.

A partir de um inicio que segue uma estrutura formalista, exibindo o local de manufatura dos gigantescos moinhos de vento que adentram o estado, o filme gradativamente caminha para uma abordagem humana, exibindo as transformações dos lugares e o modo como as mesmas afetam os habitantes ao redor. Nisso, alagamentos de cidades para criação de represas apagam não somente as estruturas físicas dos locais, mas, também, o emocional de seus cidadãos.

O progresso e contraste de paisagens
Nessa certeza de mudança constante, as pessoas ao seu redor tendem a se tornar meros observadores de toda aquela mutação. E a partir da presença da câmera da dupla de cineastas, um novo contexto é percebido na vida daqueles cidadãos. Um deles caminha pelo lugar onde antes havia uma cidade, mas que, agora, apenas ruínas de um alagamento permanecem. Em um tom de nostalgia, o vemos comentar que aquela foi a primeira casa da rua. Ele caminha pelos “cômodos”, observa uma mala esquecida na areia que cerca o local. É de sua vida que estamos falando. É da sua estrutura de vida que lhe foi retirada em nome de algo que supostamente se chamaria progresso. O progresso físico das coisas. Aquele que suplanta o emocional e sentimental de outras.

Aracati é um filme que trata desse tom passageiro, dessa mensagem que aborda o transitório. Que usa a metáfora do vento a cruzar a região de modo a salientar justamente essa ideia de mudança que, de forma contraditória, se torna algo indelével, uma vez suas alterações são definitivas.


No som oriundo do soprar constante do Aracati é que está uma das poucas coisas imutáveis na vida dos habitantes daquela região. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário