Com
três curtas metragens e o longa de abertura, produções baianas
se destacaram na mostra mineira de cinema
se destacaram na mostra mineira de cinema
Cartazes de Mamata, de Marcus Curvelo, e Peio Vazio, de Leon Sampaio e Yuri Lins
O audiovisual baiano esteve bem representado na edição 2018 da
Mostra de Cinema de Tiradentes, que aconteceu em janeiro na cidade mineira.
Além da abertura do evento, com o premiado Café
com Canela, de Glenda Nicácio e Ary Rosa, a Bahia conta com o curta Mamata, um esmero da desconstrução dos
símbolos relacionados à falsa sensação de patriotismo e de democracia que
vivemos. O filme foi agraciado com o prêmio da crítica no Festival de Brasília
do ano passado, além de conceder o candango de melhor ator a Marcus Curvelo
pela sua interpretação do protagonista, Joder, um videomaker em busca de
emprego e da possibilidade de deixar o Brasil. Dirigido pelo próprio Curvelo, a
produção do Coletivo Urgente Audiovisual – CUAL é uma ode à desesperança de uma
geração desiludida diante da inércia e do retrocesso que o país apresenta em
sua política pós golpe de 2016. Ao unir o humor e as referências à cena
política, Curvelo acerta em cheio com uma ácida tragicomédia, mas que causa
reflexão. “Mamata, na verdade, é uma comédia de desespero. Algo que se baseia
no rir para não chorar. Há uma coisa de crônica, de catarse no personagem, mas
também existe uma auto-crítica, uma vez que ele não faz muito para tentar
melhorar aquela situação. Tudo o que ele busca é fugir”, afirma o diretor.
Co-dirigido pelo baiano Leon Sampaio, juntamente com o
pernambucano Yuri Lins, Peito Vazio é
outra produção que será exibida na Mostra. Sobre ela, Leon faz pertinentes
observações acerca do diálogo que o seu filme possui com o dirigido por Marcus
Curvelo. Do mesmo modo que Mamata, Peito
Vazio apresenta um protagonista em conflito com questões internas que
acabam por refletir em seu pensamento acerca do momento em que vive o Brasil. “No
roteiro, eu e Yuri buscamos abordar a ideia da crise e do desamparo como uma
possibilidade de afeto. Existe uma questão da indeterminação, de sujeitos que
precisam se reconstruir. O personagem principal passa por uma crise pessoal,
algo de relacionamento em um plano subjetivo individual, mas que acaba se
reconstruindo a partir de um plano coletivo”, explica Leon. Trata-se de dois
curtas que dialogam bastante, sendo que acabam por se diferenciar por conta dos
perfis que almejam em seus resultados finais. “Enquanto Mamata aponta para uma melancolia debochada, mas não menos
reflexiva, Peito Vazio é um curta que
segue um perfil mais sério, sendo que nosso maior desafio foi a não
romantização do protagonista”, afirma Leon.
DISCUSSÃO GEOPOLÍTICA
E IDENTITÁRIA
Oriundo de Barreiras e residente na cidade de Luís Eduardo
Magalhães (antiga Mimoso do Oeste), o cineasta Michel Santos traz uma discussão
geopolítica e de identidade de um povo para Latossolo,
impactante curta que consegue, sem diálogos, ilustrar para o espectador o impacto que a
fugaz transformação urbana de uma cidade pode causar em seus moradores em
termos de sensação de não-pertencimento. “Em uma cidade muito jovem como Luís
Eduardo Magalhães, cujo crescimento está pautado basicamente no agronegócio, o
que existe entre os moradores e o município não é uma relação afetiva, uma vez
que não há a sensação de pertencimento, de memória de um passado atrelado ao
lugar”, explica Michel.
Em seu filme, o diretor aborda o fato de que, por funcionar
unicamente na relação da produção agrícola, não há um pensar na cidade como
algo que mereça uma elaboração, um pensamento voltado para o desenvolvimento do
município como algo voltado para seus habitantes, principalmente em termos
culturais. “Isso acaba fazendo com que o lugar se torne uma ‘não-cidade’,
justamente por não possuir essa identidade junto ao seu povo”, afirma. Latossolo se relaciona de modo pertinente
com os outros curtas exatamente por abordar as relações humanas subjugadas
diante de um modelo de desenvolvimento que não prioriza as pessoas. “Quando se
coloca esse progresso desenvolvimentista como prioridade, o que é afetado são
as relações sociais, ambientais e culturais. É essa reflexão que o filme busca
trazer”, complementa.
INTERIORIZAÇÃO DO
AUDIOVISUAL
No longa de abertura da Mostra Tiradentes, Café com Canela, de Glenda Nicácio e Ary
Rosa, a questão das relações afetivas são prioridades, sendo que a identidade
com as cidades de Cachoeira e São Felix é plena. “Como já se diz por aqui, não
é a gente que escolhe Cachoeira, mas Cachoeira que nos escolhe”, brinca o
co-diretor e roteirista, Ary Rosa. “Nós
nos propusemos a colocar a cidade em primeiro plano. Pensamos as duas cidades
como uma representação. Algo forte, mesmo. Como um personagem e com suas
personalidades”, complementa. Encontro e
afeto são palavras que definem bem o contato entre o espectador e a obra. Na triste história de Margarida
(Valdinéia Soriano), uma mãe a se recuperar de um passado traumático, o
reencontro com Violeta (Aline Brunne), uma de suas ex-alunas, lhe dá forças
para suplantar a tragédia.
“Temos uma preocupação em pensar na interiorização do cinema
em busca de outros pólos, um cinema que vá para além do atual eixo Rio-SP. Em Café
com Canela, buscamos fazer um filme de identidade, uma obra do interior,
com o interior e para o interior, também”, salienta Ary, Observando a trajetória de sucesso do longo,
é notório o objetivo alcançado.
Matéria publicada originalmente em A Tarde, dia 21/01/2018
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