“Pensar em homenagem
é algo que me emociona por saber que a luta é dura. Isso é um oxigênio para
minha carreira”
O ator Babu Santana em seu lar, no Vidigal |
Entre o resgate dessa memória afetiva e a criação de um
personagem distante dos vividos por ele em filmes como Cidade de Deu, Batismo de Sangue e Estômago, dentre diversos outros, Café com Canela proporcionou justamente uma quebra de estereotipo.
Com Ivan, um médico homossexual, casado
com Adolfo (Antonio Fábio), um experiente e mais velho agente de viagens
aposentado, Babu capta uma sensibilidade que difere de qualquer personagem que
já tenha feito antes. “Eu queria interpretar alguém justamente como o Ivan, o
personagem escrito pelo Ary. E essa minha vontade acabou reverberando até ele,
que me convidou”, afirma.
Babu em cena de Café com Canela |
Em 2018, Babu completa vinte anos como ator profissional.
Teve sua trajetória homenageada na Mostra Tiradentes, que conta com Café com Canela como longa de abertura e que aconteceu na cidade mineira em janeiro. “Brother,
quando eu penso nesse negócio de homenagem, me vem à mente todos os perrengues,
toda a luta dura que é tentar viver de atuação aqui no Brasil. Principalmente
para o povo miscigenado que busco representar. Então, para mim, isso é como uma
medalha, um oxigênio para minha carreira”, salienta.
Após viver com impressionante fidelidade o cantor Tim Maia
na cinebiografia lançada em 2014, e deixar a violência para o personagem de
Lázaro Ramos no impactante Mundo Cão, filme
de 2016, Babu Santana reafirma sua versatilidade na sensível obra baiana
premiada no festival de Brasília do ano passado e, agora, com estreia
internacional confirmada no prestigiado festival de Rotterdam, na Holanda.
Confira o papo também publicado no Jornal A Tarde.
Babu, como se deu o
convite para sua participação em Café com
Canela?
Cara, foi uma coisa de cosmos, sabe? Realmente, cósmica. O
Ary (Rosa) e a Glenda (Nicácio, diretores do filme) estavam fazendo um trabalho
em alguma cidade do interior. No lugar onde eles estavam hospedados só pegava
dois canais na TV. Em um deles passava um programa da Marília Gabriela no qual
eu era o entrevistado. Ela me perguntou o que eu ainda gostaria de fazer no
cinema, algo que me desafiasse. Lembro-me de ter respondido que queria
interpretar um personagem homossexual. E esse pedido acabou tocando o
Ary e a Glenda, lá no sertão da Bahia. O Ary conseguiu entrar em contato com um
grupo de teatro que eu fiz parte, o Nós
do Morro. Uma amiga minha de lá me colocou em sintonia. Os dois me mandaram
um roteiro e eu me apaixonei de cara pela história que eles queriam contar em Café com Canela.
E
como foi essa coincidência de a história se passar justamente na região do
recôncavo de onde surgiu sua família?
Foi uma surpresa, mesmo. Quando li o texto, senti
que era algo especial. Era um roteiro gostoso de se ler.Só que em momento algum
eu me antenei que se passava em Cachoeira, sabe? Na minha cabeça, as cenas
seriam rodadas em Salvador. Foi somente na semana anterior a minha viagem foi
que eles me falaram que rodariam tudo em Cachoeira e São Felix. Lembro do Ary
me perguntando se eu conhecia a região. “Não acredito. Vocês estão de
brincadeira comigo”, respondi. Gente, foi muita coincidência (risos). Foi por isso que eu te falei que me senti
como parte de algo cósmico. Por conta de uma entrevista com a Marília Gabriela
na qual eu protestava: “por que eu não
posso fazer certos tipos de personagens? Por que tenho que ficar preso a
estereótipos?” Todo esse meu questionamento acabou reverberando e foi ecoar
justamente no recôncavo baiano, onde vivem Ary e Glenda, e de onde minha
família, minha bisavó, meu avô, meu pai, enfim, de onde, de certa forma, eu
surgi, mesmo tendo nascido no Rio de Janeiro. Isso é pura magia, cara. Algo
cósmico, mesmo.
Já
com diversos filmes na bagagem e muita experiência em sets, como foi a
experiência de participar do primeiro longa da dupla de diretores?
Desde o momento que eu cheguei a Cachoeira, tudo foi
mágico. Porque eu me deparei com uma equipe de estudantes liderados por Glenda
e por Ary. E foi assim que eu comecei no cinema. Estudando, fazendo diversas
atividades. Quando comecei a fazer cinema, eu fazia a arte, a cenografia. A
gente não só estudava teatro, mas o ofício do cinema, mesmo. Então, quando eu
vi toda aquela mobilização da cidade, oficinas com moradores, tudo aquilo me
cativou. Glenda e Ary, inclusive, montaram uma forma diferente de filmar. A
gente fazia diurna e noturna no mesmo dia. E isso eles conseguiam captar o
lugar. Não sei e foi proposital, mas foi algo de gênio. Em alguns momentos,
eles conseguiam captar o som ao redor da cidade. Eles queriam muito que fosse
uma história bem regional, mesmo. Acabou sendo algo mágico. E, depois, quando
eu soube do resultado do filme nos festivais que ele participou, fiquei
maravilhado. Porque, inclusive, eu ainda não assisti (risos). Eu vou ver agora em
Tiradentes. Quando eles começaram a rodar os festivais com o filme finalizado,
eu estava fazendo novela lá na Globo e não estava com agenda para poder viajar.
Mas, agora, finalmente vou conseguir ver. Estou muito feliz com as pessoas
terem ficado mexidas com esse trabalho de Glenda e de Ary. O roteiro escrito
por ele mexeu muito comigo.
Seu
personagem no roteiro de Ary Rosa se junta a outros recentes que você
interpretou no cinema, como o pai de família Santana, em Mundo Cão, e o próprio Tim Maia, algo que acaba por lhe tirar de um
estereótipo violento, inclusive.
Olha, preciso dizer que a coragem que o Ary teve na escrita
desse roteiro foi linda. Quando ele resolveu quebrar esse estereotipo de
personagens anteriores. Em me trazer para fazer um médico, um cara super seguro
da própria identidade, sabe? Mais do que um homossexual, que eu acho que seja a
última coisa do personagem, para mim é a construção de um homem sensível, um
médico negro, da cidade do interior, com uma história tão bonita. E o mais
importante é essa quebra do estereotipo, que é algo que a gente precisa
se acostumar. Porque o camarada quando senta lá pra estudar artes cênicas, ele
está estudando para atuar. Eu não estou estudando para fazer um único tipo de
personagem. Apesar de, claro, gostar,
também. Eu acho que esses tipos violentos, populares que eu faço, também
precisam de uma representatividade. Mas, cara, eu não sei você, mas eu quando
vejo nossa dramaturgia, principalmente televisão e cinema, eu me sinto em um
país nórdico. E nós somos um país completamente miscigenado. É bacana ver na TV
um casal de jovens bonitos. Mas eu também quero ver casais de velhinhos, quero
ver o carinha gordinho com a menina magrinha e vice versa. O rapaz feio com a
menina bonita e vice versa. Mas quando ligo a TV, eu me sinto pouco
representado. Eu fico me sentindo em um comercial de pasta de dente, sabe?
(risos) Então, para mim, um roteiro como o de Café com Canelo tem essa coragem de mostrar outras histórias. Porque
todo mundo tem uma história a ser contada. Todo mundo tem que ser representado.
A história de um todo, de um país do tamanho do nosso, precisa ser contada. E
isso é um pouco que acontece com Café com
Canela. Uma cidade do interior, do recôncavo baiano, tão rica culturalmente.
Se você observar, nós somos um país muito grande e temos apenas dois pequenos
eixos. E aí quando você sai desse eixo não só para contar, mas para produzir
essa história, para mim é muito importante para ter esses novos olhares. Para
que a gente possa evoluir até como mercado, como nação e como pensamento.
Embate com Lázaro Ramos em Mundo Cão |
Em 2018 você
completa vinte anos como ator profissional. Como foi esse caminho?
É, cara, exatamente esse ano, eu completo vinte anos como ator
profissional. Minha primeira de teatro aqui no Rio foi em 1998. Chamava-se Abalou - Um Musical Funk. Para mim, essa
coisa de homenagem vem como uma medalha, sabe? De uma luta que ainda é muito
dura. Ainda é muito duro. A gente ainda não tem o nível de representatividade,
o volume de trabalho que preciso. Algo que possa me trazer uma tranquilidade de
vida. Eu até hoje estou na luta. Uma vez por mês chego a pensar em desistir
(risos). Porque, olha...(pausa). Quando vem algo assim, uma homenagem?
Brother... Primeiro porque eu achei até
que era mentira, que era alguém querendo pregar uma peça em mim (risos). Até
porque eu não construí minha carreira pensando em ser homenageado. Eu só queria
sobreviver daquilo que eu amo fazer.
Para você, qual o
peso dessa homenagem em Tiradentes e o que representa para o futuro de sua
carreira?
Quando um festival como o de Tiradentes vem propõe uma
homenagem como essa para mim, puxa, é como um tubo de oxigênio, sabe? Algo que
vai me dar um gás para que eu possa um dia olhar para trás e ver uma carreira
bacana. Mas não composta só por prêmios e homenagens, mas, sim, por fazer o que
eu gosto, por sobreviver com o que eu gosto. Quando eu comecei a atuar, quando
eu manifestei a vontade de ser ator, minha família ficou muito preocupada.
Imagina só na década de 1990, sabe, a gente não tinha essas figuras que nos
representassem. Que nos dava essa possibilidade de ter essa profissão. Era muito
raro. A gente tinha quem? O Grande Otelo, que havia ficado lá atrás, o Milton
(Gonçalves), o (Antônio) Pitanga, a dona Ruth (de Souza). E aquilo que essas
pessoas alcançaram era pouco diante da grandeza delas, sabe? Então, eu lembro
até hoje quando minha mãe chegava para mim e dizia: "Mas, filho, você vai
ser ator, mas como é que você vai alimentar sua família?". Eu fui pai
muito cedo. Eu tinha 22 anos quando minha filha, a Laura, nasceu. E inclusive,
uma curiosidade: eu soube do nascimento da Laura justamente lá em Tiradentes.
Eu estava fazendo um filme chamado Alegres
Comadres e eu lembro que falei: "Olha, mãe, olha aí. Vai dar certo.
Vai dar certo (enfático)". Essa homenagem me fez lembrar disso. Lembrar
que eu quis ser ator para mostrar, para comunicar, para mostrar minha arte. E
eu tenho feito. Tenho realizado cada vez mais sonhos. E, puxa, eu vou poder
brindar toda essa luta lá em Minas. Para mim, toda vez que eu penso em
homenagem, eu me emociono muito porque é uma luta muito dura, velho. É uma luta
muito dura! E saber que as pessoas estão observando essa luta, saber que minha
arte toca as pessoas a ponto delas quererem me homenagear, ou me premiar com
alguma coisa, é um símbolo de vitória, sabe? E eu fico muito feliz. Fico muito
emocionado, mesmo. Tudo na minha vida parece mágico. Essa homenagem vem do
mesmo lugar onde eu estava quando soube do nascimento da minha primeira filha,
o filme de abertura da Mostra, Café com
Canela, vem do berço da minha família, então, brother, eu estou assim em
êxtase. Eu estava até fazendo um dietazinha aqui para tirar o Tim Maia de vez
de mim (risos), mas eu vou abrir uma
exceção em Tiradentes para tomar um pequeno porre para comemorar e
ganhar um fôlego para mais trinta, quarenta anos de carreira, se Deus
quiser.
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