O blog Película Virtual visitou o set de Depois da Chuva, filme dos cineastas Cláudio Marques e Marília Hughes. Experientes no âmbito de curtas (os diretores foram agraciados na 38ª edição do Festival de Gramado com os prêmios de Melhor Filme e Melhor Roteiro pelo curta Carreto, lançado em 2009), eles têm em Depois da Chuva seu primeiro longa metragem. Com um roteiro em parte autobiográfico, o filme se passa em 1984, período final da ditadura militar, e coloca em foco a Salvador daquela fase.
Através da óptica de Caio (Pedro Maia), um adolescente com tendências anarquistas cujas ideias são reprimidas por professores, mas incentivadas por amigos, Depois da Chuva traz, nas palavras do co-diretor Cláudio Marques, “uma relação sutil entre os acontecimentos da vida de Caio e o momento político pelo qual o país ultrapassa. Deve-se dizer que o cinema brasileiro de ficção produziu muitos e importantes filmes sobre a ditadura (1964-1984), mas nada sobre o turbulento período de transição para a democracia (1984). Para o cineasta, o filme tem uma função específica: “passados vinte e cinco anos desse período que forjou as lideranças e o país em que vivemos hoje, é chegada a hora do cinema evocar a atmosfera daquele período para que uma reflexão mais profunda aconteça”, complementa.
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Cláudio Marques e Marília Hughes estudam as imagens captadas |
Para a co-diretora Marília Hughes, o filme possui um tema que extrapola o período no qual se passa a história. "Apesar do momento histórico particular do filme, Depois da Chuva também trata de questões universais, pertinentes a adolescentes de qualquer época e lugar. É um filme sobre transição e amadurecimento”, afirma a cineasta. Além do jovem estreante Pedro Maia, o filme conta os atores Talis Castro, Paula Carneiro, Bertho Filho, Sophia Corral, Carlos Betão, Aícha Marques, dentre outros.
Confira abaixo como foi a visita às gravações.
Em um set de cinema, as engrenagens devem estar sempre lubrificadas. O ambiente pede concentração, apuro técnico, preparo prático e, o mais importante, vontade de fazer bem feito. Para quem não tem a experiência de ter estado em um local assim, claro, tudo soa como novidade. Há aquele receio de estar no lugar errado, de acabar invadindo algum ambiente onde não deveria haver mais ninguém a não ser os que já estão presentes. Ao chegar no set de gravações de Depois da Chuva, primeiro longa metragem dos cineastas Cláudio Marques e Marília Hughes, todas essas minhas preocupações caíram por terra. Com isso, claro, não estou dizendo que não havia ordem ou que tudo era como “chegue mais, sinta-se em casa”. Não, as coisas não funcionam assim. Em uma agradável tarde, numa das ruas do convidativo bairro do Garcia, centro de Salvador, um isolamento com cones de trânsito e um senhor para quem eu precisei acenar com a cabeça e mostrar uma câmera fotográfica para dar a entender que também fazia parte dos envolvidos naquele trabalho. O convencimento de que todo aquele processo segue uma regra restrita, bem engendrada, é fato. Logo ao passar, percebo que o isolamento é para evitar que o som dos carros atrapalhem as cenas que eram gravadas lá dentro. Cláudio e Marília estão no lugar desde as cinco horas da manhã, junto com a equipe e parte dos atores. Primeira semana de filmagem. Gás total.
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Guile Martins, responsável pelo som de Depois da Chuva |
Nesse momento, Guile precisou voltar para a última cena do dia, que se passaria no quarto do personagem principal, Caio (Pedro Maia). O quarto, por sinal, é como uma volta no tempo. Genius, antigo brinquedo da Estrela em um canto, recortes de revistas em quadrinhos e fotos de bandas setentistas na parede. Algo bem relacionado à personalidade do adolescente. A diretora de arte, Anita Dominoni, explica que a criação do ambiente onde vive Caio se relaciona diretamente com sua personalidade. “Ele está em uma fase de transição, essa fase da adolescência. E ele mora com a mãe. Ou seja, o que deve ser levado em consideração é que ele está morando desde que nasceu na mesma casa. Então, o que tem que ser demonstrado pela direção de arte nesse sentido são os estágios da vida desse menino”, observa.
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A diretora de arte Anita Dominoni |
O que se percebe é, justamente, uma forma de usar o ambiente para passar ao espectador uma mensagem sobre o personagem. “Caio vai crescendo e começa a passar por uma transição de sua ideologia. Quando vamos ficando adultos, nossa personalidade e hábitos acabam ficando presentes em objetos do nosso ambiente. No caso dele, há um modo de demonstrar sua "pseudoindependência" com suas roupas pretas e sua relação com o punk rock. No entanto, conhecemos um pouco mais dele ao vermos seu quarto”, explica a diretora. “Você acaba por demonstrar mais de você através de suas coisas, do seu ambiente”, completa. Anita foi diretora de arte em dois filmes do diretor Geraldo Sarno: Tudo me Parece um Sonho (2008) e O Último Romance de Balzac (2010). Ambos filmes de época nos quais a direção de arte é um elemento imprescindível. A partir desses filmes, surgiu o convite de Cláudio Marques e Marília Hughes para que ela fizesse a direção em Depois da Chuva. Para Anita, é acertada a decisão de se filmar em 16mm uma vez que o formato torna a imagem captada mais real para a época em que se passa o roteiro.
Ao final das doze horas de trabalho, os sons de palmas brindam o final do primeiro dia de trabalho. Uma longa caminhada a se seguir, mas que está começando muito bem.
Fotos gentilmente cedidas por Anouk Degen.
João
Paulo Barreto é jornalista e foi convidado pelos
diretores a visitar o set de gravações.
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