Prometheus, revisita de Ridley Scott ao universo que criou em Alien, é uma obra que consegue uma
proeza especial: a de se sobrepor às simples análises que recaem sobre os
filmes de ficção científica espacial. O longa exige do espectador olhos mais
apurados quanto à sua grandeza. Ficar na simplicidade e (por que não?) pobreza
analítica das questões de gênero que o roteiro apresenta é desperdiçar as duas
bem gastas horas que se passa dentro da sala de projeção.
Desde as suas primeiras cenas, o
filme apresenta uma atmosfera que muitos podem julgar pretensiosa e falsamente
intelectual. O espectador há de convir que os filmes que se aventuram a tentar
explicar origens do universo e da vida do homem podem seguir por duas linhas:
uma é a da origem religiosa-científica (vide A Árvore da Vida); a outra opção reside na ideia centrada na ficção científica. Essa
segunda opção traz ao cinéfilo um modo de avaliar o que o filme propõe de forma
mais independente das amarras que o roteirista impele, uma vez que a proposta
apresentada não exige, obrigatoriamente, que se coloque no lugar de quem
escreveu para entendê-la. É o caso de, por exemplo, 2001 – Uma odisseia no espaço e, no que tange a esse texto, Prometheus, de Ridley Scott.
Ao criar preenchimentos das
lacunas na estória do Alien original,
a dupla de roteiristas Damon Lindelof e Jon Spaihts acertou em tornar a proposta
simplista (e por isso genial) do filme de 1979 em algo tão ambicioso quanto a
explicação da origem da humanidade. Deste modo, os escritores souberam criar um
universo independente dentro da mitologia que o clássico de Scott possui.
Claro, há um certo desconforto ao perceber que as inserções não parecem tão
naturais, algo que se nota quando vemos o modo como os embriões que dão origem
aos aliens são explicados. Porém, 32 anos após a estreia do longa original,
três filmes oficiais da franquia e duas excrescências chamadas Aliens vs Pedrador, creio que o modo
como o diretor preferiu abordar a criatura foi bem justificada. De forma sóbria,
sem precisar se basear apenas na já combalida criação de H. R. Giger, Scott
conseguiu manter sua trama independente da necessidade de explorar o terror alienígena.
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Os chamados engenheiros, possíveis colonizadores da Terra |
Então, explicada essa reação
inicial ao sair da sessão de Prometheus, creio
ser válido abordar diretamente a trama. O filme se inicia com belas imagens
aéreas de um planeta que lembra muito a terra. A sombra de um disco espacial
passeia pelas planícies, cachoeiras e montanhas. É quando um ser humanoide
observa, às margens de uma queda d´água, a espaçonave partir e experimenta uma
substância que causará nele certa reação. A partir desse momento, quando se vê
o nome do filme surgir do mesmo modo que a grafia do Alien original surgia, e a câmera de Scott passeia por cadeias de
DNA, é que se percebe as intenções citadas anteriormente: dessa vez, o mito Alien almeja mais do que apenas causar
suspense ou medo. A discussão aqui será outra.
Corta para arqueólogos em cavernas
europeias, nas quais o casal de cientistas Elizabeth Shaw (Noomi Rapace) e
Charlie Holloway (Logan Marshall-Green) descobrem paridades em ilustrações nas
paredes que datam de milhares de anos. As mesmas encontradas em várias outras
pesquisadas antes. É o que a doutora classifica como um convite. Cinco anos
depois, em 2093, eles já estão no espaço em sono artificial, rumo ao planeta
cuja galáxia foi interpretada nos desenhos. A viagem é patrocinada pela Weiland
Industries, a mesma responsável pelas pesquisas e buscas dos dois primeiros
filmes.
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Shaw (Noomi Rapace) estuda o ambiente alienígena |
Desse ponto em diante, são dignas
de admiração as referências que o longa faz ao original. Desde o aspecto branco
e clean do refeitório da nave, até o modo como se vê todos os tripulantes
acordando de forma lenta e faminta, percebe-se um esforço do longa em
homenagear o filme de 1979. E, claro, é
nesse momento que conhecemos David, o androide que já havia aparecido em um
viral divulgado via youtube meses atrás e que demonstra todo o talento e
construção de personagens que Michael Fassbender possui. Monitorando o sono dos
tripulantes, o ser de inteligência artificial se alimenta, joga basquete
enquanto pedala (!), pinta o cabelo (!!) e assiste a Lawrence da Arábia, em outra brilhante referência que o longa faz.
A fala “basta não se importar com a dor” que ele tira do filme trará repercussões
que vão fazer sentido ao fascínio que aquele ser possui com a obra de David
Lean e nos fará lembrar de Ash, o robô vivido por Ian Holm em Alien – O Oitavo Passageiro.
Quando a tripulação acorda, somos
apresentados a alguns clichês do gênero. Lá está o personagem revoltado e mal humorado
que, inevitavelmente, morrerá primeiro. Junto com ele, o cientista que faz as
perguntas que orientarão o espectador no entendimento da trama. Claro, nenhum
deles possui a postura tão clichê quanto a do grupo de soldados vistos na
continuação dirigida por James Cameron. Porém, lá estão eles seguindo em
direção à missão de explorar o inóspito planeta. Sob a supervisão de Meredith
Vickers, a enigmática personagem de Charlize Theron (sempre nos fazendo
imaginá-la, também, como um robô), os cientistas seguem em direção à estrutura
visualizada da nave e onde, claro, encontrarão seu destino.
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David (Fassbender) se encanta com a projeção da Terra pelos alienígenas |
Noomi Rapace traz ao seu
personagem toda a energia que vimos na Ripley de Sigourney Weaver. Não vale a
pena comentar o que acontece com ela sob pena de diminuir o impacto das cenas,
no entanto, o que a médica faz consigo figura entre as cenas mais horripilantes
do cinema em 2012. Como já foi falado,
Fassbender, visivelmente mais magro, ratifica seu talento em mais um personagem a desafiar sua
interpretação. Após trazer emoção a Magneto em X-Men – First Class e desespero velado ao seu Brandon, de Shame, o ator se despe de humanidade, mantendo um tom de voz sempre
no mesmo nível, uma postura exclusiva em todos seus momentos em cena e um
sorriso calculado que torna inevitável o depósito de confiança em sua “pessoa”.
Com uma trama ágil na qual tudo
acontece de forma rápida, o filme, após cumprir a exigência de apresentar seus
personagens, bombardeia o espectador com ação ininterrupta, culminando na
citada cena envolvendo a personagem de Noomi Rapace e em um clímax que une de
forma satisfatória os acontecimentos iniciais do clássico do final da década de
1970 com o que se vê aqui. E a forma como a obra consegue se manter
independente da franquia original, podendo gerar um novo universo (o que
inevitavelmente vai acontecer), demonstra a sagacidade do projeto.
Claro que Ridley Scott, apesar do
já citado excesso que sua criatura teve no cinema nos últimos anos, não
poderia deixar de exibi-la em Prometheus.
Porém, modo como ele a apresenta, ainda assim, consegue surpreender. Mesmo que
já nos tenhamos habituado a ver o monstro em diversos filmes. Alguns
esquecíveis, friso. Mas não dessa vez. Dessa vez, o resultado é mais do que
satisfatório.
Bem, eu gosto da atmosfera geral de ficção científica (ainda que a direção do Scott já foi muito melhor antes), mas como roteiro me parece um filme que quer parecer complexo, mas no fundo é bem simples, e às vezes bem simplista. Meu problema com o roteiro não está nas perguntas sem respostas (a dúvida é uma ótima qualidade num filme como esse), mas sim certos artifícios da história.
ResponderExcluirPor exemplo, por que cargas d’água a Dra. Shaw chegou à conclusão de que aqueles Engenheiros foram os criadore da raça humana? Só por que ela quis acreditar que sim? Acho ainda que as intenções de vários personagens são mal explicadas. Por que David coloca a substância na bebida do namorado da Dra. Shaw (se bem que David me parece uma incógnita ainda a se desvendar)? Por que Vickers está naquela jornada se Weyland não vai com a cara dela, se ela não acredita em nada daquilo? Por que Weyland já não deserdou ela, afinal de contas? Por que o comandante da nave interpretado pelo Idris Elba faz questão de não ajudar os tripulantes que ficaram presos do lado de fora da nave? Enfim, gosto do filme, mas ainda acho que essas intriguinhas estão mais a serviço de um roteiro frouxo do que algo realmente consistente e bem amarrado.
Concordo em parte, Rafa. A ideia pode parecer simples (muitas aplicações simples no cinema são muito eficazes), mas não simplista. Obviamente, o que incomoda um pouco no filme são as lacunas em relação ao clássico de 1979 que são preenchidas de forma não muito natural. No entanto, gosto do modo como Scott soube tornar Prometheus independente da saga Alien. Tanto que é muito provável que vire uma trilogia sobre a busca da origem do homem. E o melhor: com uma pitadinha alien no meio. Garantia de que ninguém vai roncar como eu ronquei em alguns momentos de A Árvore da Vida.
ExcluirQuanto às perguntas feitas, creio ter respostas para algumas. Ao testar o dna do alienígena rato de academia, Shaw percebeu que, realmente, sua teoria estava certa. Os humanos vieram daquela raça. Acho que o faro cientista conta nesse aspecto.
David é um modelo anterior ao ciborgue interpretado por Ian Holm. Ou seja, diferente do Bishop de Lance Henriksen, a natureza de David era puramente científica. Testar aquela descoberta era algo que estava em sua programação.
Bom, já estive em empregos em que eu ia trabalhar todo dia e meu chefe me detestava. Ia por causa da grana. Deve ser essa a razão de Vickers estar ali, também. = P
Quanto ao lance com o Elba, acho que havia ficado claro que era inviável sair por conta da tempestade. Ou você se refere a algum outro momento do filme que eu não estou lembrando?