(The Rover, Austrália, 2014) Direção: David Michôd. Com Guy Pearce, Robert Pattinson, Scott
McNairy.
Por João Paulo Barreto
Diferente da ambientação urbana
de seu longa anterior, o premiado Reino
Animal, de 2010, o diretor David Michôd trouxe para The Rover um teor pós apocalíptico característico do outback
australiano, local que parece sempre repleto de desespero e terror latentes
oriundos de personagens psicopatas.
Aqui, a coisa não é muito
diferente. No tal futuro pós-apocalíptico que o letreiro inicial informa se
passar 10 anos depois de um colapso da sociedade (colapso esse que parece ser
econômico, e não causado por algum agente biológico ou coisa do tipo), Eric, um
maltrapilho homem com aparência de poucos amigos, tem seu carro roubado por
supostos assassinos que abandonam o próprio veículo após um acidente. Começa, então, a busca pelos ladrões e pelo
seu carro, que parece ser seu último bem material.
Funcionando como um road movie suicida, The Rover traz Guy Pierce como um protagonista no limite emocional
que o faz não pensar duas vezes antes de executar a sangue frio um traficante
de armas que não aceita negociar preços ou encarar um revolver apontado para sua
testa com a mesma coragem de quem encara uma briga justa. É o tipo de
personagem perdido, sem esperanças de redenção, mas com um único norte como
meta, algo que leva o espectador a torcer por ele mesmo sem conhecer nenhum
traço de seu passado brutal.
Eric: atitudes suicidas de quem nada tem a perder |
Na busca pelos ladrões de seu
carro, topa com o irmão deficiente mental de um deles. À beira da morte, o
rapaz pede ajuda e acaba servindo de guia para Eric seguir os rastros dos
bandidos. A relação que se desenvolve entre ambos torna-se a tona do filme.
Robert Pattinson, no papel do jovem assassino Rey, volta a confirmar que há
vida pós Crepúsculo e apresenta uma
atuação complexa, repleta de tiques nervosos, com um pesado sotaque australiano
e sem vaidades na entrega.
A história da relação da amizade baseada
na sobrevivência dos dois protagonistas, apesar de se valer de certas
conveniências do roteiro para seguir em frente, é o que torna intrigante a
história escrita pelo ator Joel Edgerton (Guerreiro)
e pelo próprio diretor. Enxergando na imagem do homem mais velho uma
autoridade paterna, a personalidade manipulável de Rey torna-se evidente e
passamos a vê-lo como uma vitima dos homens que agora persegue.
Rey: confusão mental, carência afetiva e instinto assassino |
Na construção de seu personagem,
Pattinson, em trajes sujos, olhares desencontrados e repletos de confusão,
esconde uma profundidade palpável. O choque entre a dureza de Eric e o pedido involuntário
por socorro de Rey é perceptível quando este o questiona sobre o fato dele não
conseguir parar de pensar em uma de suas vítimas. “É o preço a se pagar por ter
tirado uma vida. Você tem que carregá-la consigo para sempre”, é a resposta de
Eric, que define a personalidade e entrega parte do passado daquele homem.
Um dos pontos de acerto da
produção está na escolha de elenco, com a inserção de atores direcionados a personagens
cujas aparências incomuns e estranhas refletem o ambiente inóspito onde vivem.
Os rostos marcantes acabam por se tornar peças na construção visual do filme. Não
somente em suas aparências físicas, com queimaduras oriundas do sol escaldante
e aspereza visual denotando bem o universo onde vivem, mas suas atitudes
refletem um desenho daquele mundo destruído social e economicamente.
Em certo momento, vemos um
comerciante condicionar uma informação à compra de qualquer mercadoria de sua
loja caótica. Ao parar em um posto de gasolina, Eric argumenta com o vendedor
que só tem dólares australianos e este, de modo agressivo, replica dizendo que
apenas americanos são aceitos. Pelo visto, a economia estadunidense se manteve
dominadora naquele caos. Uma mensagem subliminar para quem seria o maior
beneficiado em uma situação social como aquela? Divago.
[ATENÇÃO, SPOILER] Na aparente
irracional busca pelo seu carro, Eric apresenta uma motivação apenas revelada
na última cena do filme e que, infelizmente, acaba por não conseguir trazer o
impacto desejado pelo diretor ao inseri-la. Quando o vemos retirar um animal
morto do porta-malas (algo que, aparentemente, pretende enterrar de forma
digna), obviamente temos um vislumbre da complexidade daquele personagem, que
descarta vidas humanas de forma tão banal, mas se importa em dar a um animal uma
simbólica e apropriada despedida.
No entanto, não deixo de imaginar
como seria o impacto do roteiro se o visemos retirar do porta-malas o corpo da
esposa, que ele admitiu ter assassinado por conta de uma traição.
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