Por João Paulo Barreto
Sendo um dos principais representantes da geração dos Baby Boomers, movimento involuntário liderado
por diretores como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, George Lucas e
William Friedkin, dentre outros jovens que, na década de 1970, com pouco mais
de 30 anos de idade, viriam a mudar todo o modelo de produção do cinema estadunidense,
é curioso observar o modo como Steven Spielberg, hoje um titã dessa mesma
indústria, revisita em Jogador Nº1 diversos
símbolos culturais daquela década, das posteriores e da Sétima Arte como um
todo, alguns destes, inclusive, sendo ele mesmo o criador. O que temos em seu
novo trabalho é a prova de que Hollywood admitiu não possuir mais histórias
originais. E, à frente disso, um dos mais originais criadores de sua história.
A prova disso é o mergulho em elementos anteriores e o reinventar destes mesmos
símbolos que testemunhamos aqui. Não me entenda mal. Isto é, sim, um elogio.
Baseado no livro de Ernest Cline, também co-roteirista, o longa
é uma ode a paixão pela cultura pop que alimenta milhões de pessoas. Sejam
estes elementos oriundos dos vídeo games, dos quadrinhos, da música ou dos
filmes, não importa. É sublime vê-los surgir na tela do cinema na história de
Wade, o jogador do título, que, sob a alcunha de Parzival (em uma ótima
referência ao cavaleiro do Rei Arthur que segue em busca do Santo Graal), vive
em um jogo virtual na corrida para decifrar os desafios propostos pelo criador
daquele universo, o misterioso Anorak, um já falecido mestre da programação e
aficionado por cultura pop interpretado com carisma pelo novo parceiro de
Spielberg, o ator inglês Mark Rylance.
Tye Sheridan vive Parzival, o jovem em busca do Graal do mundo virtual |
Listar as referências que a obra faz a diversos marcos
surgidos a partir dos anos 1970 e 1980, como os jogos do Atari, filmes
definitivos como O Iluminado (em um
dos momentos mais sublimes da produção), a
trilogia De Volta para o Futuro (com
direito ao uso do Delorean e da música em um timing preciso), o pilar da animação japonesa, Akira, ou, ainda, nos mais recentes anos
1990, com o trabalho do próprio diretor, Jurassic
Park, talvez seja um exercício desnecessário aqui. No entanto, para alguém
que viveu boa parte daqueles surgimentos e olha para trás com certa nostalgia,
o mais apropriado é entrar na sala preparado para aquele mergulho na memória. Para
os mais jovens, a imersão ainda pode ser plena, apesar de requerer certo afinco
no reconhecimento de vários pontos. Ao usar elementos que ele mesmo criou, o
que Steven Spielberg propõe aqui é mais do que autofagia, friso. Ao se
autoparodiar com uma cena de um dos seus blockbusters, por exemplo, o cineasta
se reconhece como parte essencial daquela mesma cultura que, junto com seus
parceiros da revolução em Hollywood de quase cinquenta anos atrás, consolidou
um novo caminho criativo e, por consequência, uma nova indústria que foi
diretamente responsável por boa parte do que vemos aqui.
Trata-se de uma ficção científica a abordar um futuro bem
próximo. Ao criar a realidade de Columbus, a megalópole décadas à frente do
nosso tempo, mas que, ao invés de trazer casas high techs, mostra aglomerações
de pessoas morando em containeres suspensos, quase que em versões futurísticas
de favelas, o visual do longa denota justamente a reflexão de que o futuro
proposto por diversos filmes (muitos deles homenageados durante a projeção)
deixou de ser plausível. Aqui, as massas
populosas e os problemas atuais de moradia se tornam evidentes.
Assim,em sua essência, Jogador
Nº 1 traz não somente um resgate nostálgico de elementos que marcaram uma
época. Nostalgia pode ser um best seller nos dias atuais, mas seria manipulador
usar tal fator apenas para entreter audiências e fisgar bilheterias. Mais do
que isso, o que o longa propõe de modo preciso é uma reflexão acerca dos dias
atuais, da solidão entre pessoas reféns de redes sociais, de focos mais
dedicados a telas de celular e computadores, e menos ao rosto de quem está do
seu lado. A imersão virtual acaba por se tornar nociva. O que o roteiro filmado
por Spielberg discute pode parecer simplório, mas observando o principal
público que seu longa atingirá, a mensagem se faz mais do que necessária. E se com ela o que temos de brinde é uma
homenagem aos melhores símbolos daqueles dias mais simples e sem realidade
virtual, que assim seja. Saudade do meu Atari...
O futuro caótico em que a aglomeração urbana se torna evidente: tempo presente |
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