quarta-feira, 4 de abril de 2018

Jogador Nº 1

(Ready Player One. EUA, 2018) Direção: Steven Spielberg. Com Tye Sheridan, Olivia Cooke, Mark Rylance, Ben Mendelsohn.


Por João Paulo Barreto

Sendo um dos principais representantes da geração dos Baby Boomers, movimento involuntário liderado por diretores como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, George Lucas e William Friedkin, dentre outros jovens que, na década de 1970, com pouco mais de 30 anos de idade, viriam a mudar todo o modelo de produção do cinema estadunidense, é curioso observar o modo como Steven Spielberg, hoje um titã dessa mesma indústria, revisita em Jogador Nº1 diversos símbolos culturais daquela década, das posteriores e da Sétima Arte como um todo, alguns destes, inclusive, sendo ele mesmo o criador. O que temos em seu novo trabalho é a prova de que Hollywood admitiu não possuir mais histórias originais. E, à frente disso, um dos mais originais criadores de sua história. A prova disso é o mergulho em elementos anteriores e o reinventar destes mesmos símbolos que testemunhamos aqui. Não me entenda mal. Isto é, sim, um elogio.

Baseado no livro de Ernest Cline, também co-roteirista, o longa é uma ode a paixão pela cultura pop que alimenta milhões de pessoas. Sejam estes elementos oriundos dos vídeo games, dos quadrinhos, da música ou dos filmes, não importa. É sublime vê-los surgir na tela do cinema na história de Wade, o jogador do título, que, sob a alcunha de Parzival (em uma ótima referência ao cavaleiro do Rei Arthur que segue em busca do Santo Graal), vive em um jogo virtual na corrida para decifrar os desafios propostos pelo criador daquele universo, o misterioso Anorak, um já falecido mestre da programação e aficionado por cultura pop interpretado com carisma pelo novo parceiro de Spielberg, o ator inglês Mark Rylance.

Tye Sheridan vive Parzival, o jovem em busca do Graal do mundo virtual
Listar as referências que a obra faz a diversos marcos surgidos a partir dos anos 1970 e 1980, como os jogos do Atari, filmes definitivos como O Iluminado (em um dos momentos mais sublimes da produção), a trilogia De Volta para o Futuro (com direito ao uso do Delorean e da música em um timing preciso), o pilar da animação japonesa, Akira, ou, ainda, nos mais recentes anos 1990, com o trabalho do próprio diretor, Jurassic Park, talvez seja um exercício desnecessário aqui. No entanto, para alguém que viveu boa parte daqueles surgimentos e olha para trás com certa nostalgia, o mais apropriado é entrar na sala preparado para aquele mergulho na memória. Para os mais jovens, a imersão ainda pode ser plena, apesar de requerer certo afinco no reconhecimento de vários pontos. Ao usar elementos que ele mesmo criou, o que Steven Spielberg propõe aqui é mais do que autofagia, friso. Ao se autoparodiar com uma cena de um dos seus blockbusters, por exemplo, o cineasta se reconhece como parte essencial daquela mesma cultura que, junto com seus parceiros da revolução em Hollywood de quase cinquenta anos atrás, consolidou um novo caminho criativo e, por consequência, uma nova indústria que foi diretamente responsável por boa parte do que vemos aqui.

Trata-se de uma ficção científica a abordar um futuro bem próximo. Ao criar a realidade de Columbus, a megalópole décadas à frente do nosso tempo, mas que, ao invés de trazer casas high techs, mostra aglomerações de pessoas morando em containeres suspensos, quase que em versões futurísticas de favelas, o visual do longa denota justamente a reflexão de que o futuro proposto por diversos filmes (muitos deles homenageados durante a projeção) deixou de ser plausível.  Aqui, as massas populosas e os problemas atuais de moradia se tornam evidentes.

Assim,em sua essência, Jogador Nº 1 traz não somente um resgate nostálgico de elementos que marcaram uma época. Nostalgia pode ser um best seller nos dias atuais, mas seria manipulador usar tal fator apenas para entreter audiências e fisgar bilheterias. Mais do que isso, o que o longa propõe de modo preciso é uma reflexão acerca dos dias atuais, da solidão entre pessoas reféns de redes sociais, de focos mais dedicados a telas de celular e computadores, e menos ao rosto de quem está do seu lado. A imersão virtual acaba por se tornar nociva. O que o roteiro filmado por Spielberg discute pode parecer simplório, mas observando o principal público que seu longa atingirá, a mensagem se faz mais do que necessária.  E se com ela o que temos de brinde é uma homenagem aos melhores símbolos daqueles dias mais simples e sem realidade virtual, que assim seja. Saudade do meu Atari...

O futuro caótico em que a aglomeração urbana se torna evidente: tempo presente
Crítica originalmente publicada em A Tarde, dia 04 de abril de 2018



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