terça-feira, 3 de abril de 2018

O Filho Uruguaio - Crítica e entrevista com diretor e elenco


Os atores Ramzy Bedia, Maria Dupláa e o diretor Olivier Peyon em visita ao Brasil

Há em O Filho Uruguaio, filme do francês Olivier Peyon, diversos momentos que se sobrepõem à, digamos, “simples proposta” de reencontro entre mãe e filho após anos desde o último contato, tema já bastante abordado no cinema. A criança, levada pelo pai uruguaio para o país da América do Sul, nasceu na França, onde viveu seus primeiros anos com ele e com a mãe, Sylvie (vivida de modo estóico por Isabelle Carré). Após o divórcio, o homem traz o garotinho para o Uruguai, onde cresce acreditando que sua progenitora está morta.

Renegando a língua francesa para se comunicar apenas em espanhol, como em uma tentativa de se desconectar de qualquer laço que possua com a mãe, Felipe visita seu túmulo, onde costuma conversar em francês com a lapide, em uma das belas rimas temáticas que o longa possui. Na fuga de sua introversão quando se refere à falta que a mãe faz, o pequenino se reserva àqueles momentos de intimidade para se aproximar de Sylvie da maneira como ela poderia entender em sua língua mãe.

Ao voltar para o Uruguai em busca de Felipe, no entanto, Sylvie o descobre órfão de pai. Retirá-lo do convívio de sua avó e tia, vivida por Maria Dupláa, seria ainda mais traumático, principalmente pelo modo como ela planeja fazê-lo, o sequestrando com a ajuda do amigo Mehdi (o comediante francês Ramzy Bedia, aqui em um belo papel dramático).

O Filho Uruguaio acaba por trazer mais do que um reencontro e um choque de reconhecimentos. Em sua singeleza, a obra de Olivier Peyon se torna um exercício de rimas tanto temáticas, como visuais, como aquela que vemos Sylvie sozinha em um parquinho infantil ouvir a voz do seu filho ao telefone, enquanto este joga futebol em um campo distante de onde ela se encontra. Ou ainda quando a vemos escalar um brinquedo neste mesmo parque em uma clara tentativa de alcançar fisicamente aquele menino triste e confuso que se encontra no alto, mas, também, uma tentativa de alcançá-lo como filho.



Na entrevista abaixo, conversei com o diretor Olivier Peyon e com os atores Ramzy Bedia e Maria Dupláa acerca do projeto. Confira o papo!

Olivier, há no seu filme um encontro de línguas distintas, com atores e atrizes de países variados. Como diretor, como foi lidar com essa variedade em sua seleção de elenco?

OLIVIER - Para mim, a questão principal não era a nacionalidade deles. Era sobre todos os atores, sejam franceses, argentinos ou uruguaios. Eles eram bem diferentes, calro, mas não por causa de suas nacionalidades, mas, sim, porque eles tinha experiências anteriores bem diferentes. Era um grupo de atores e atrizes de diversas partes do mundo, Ramzy (Bedia) vem da França, do mesmo modo que a Isabelle (Carré) e Maria Dupláa vem da Argentina. Era um choque de personalidades e era com isso que eu tinha que lidar. Eu não me lembro ter qualquer tipo de choque cultural com o filme, exceto a equipe técnica do Uruguai, que tinha um ritmo mais particular e eu era mais... (faz uma expressão de durão). E com eles eu tinha que correr mais, sabe? Mas não eram tão diferentes. De fato eu acho que nós estávamos fazendo o mesmo filme. Foi por isso que eu decidi ir para o Uruguai, pois eu queria trabalhar com Fernando Epstein (produtor executivo do filme), porque, quando eu o conheci um ano antes das filmagens, eu percebi que era a melhor decisão para fazer o filme, pois nós tínhamos as mesmas ideias relacionadas a cinema, nós estávamos fazendo o mesmo trabalho. O primeiro rascunho do roteiro foi escrito junto a um diretor argentino. Eu escrevi algumas versões em Buenos Aires. Mas, finalmente, quando fomos fazer o filme, o orçamento ficou muito caro na Argentina. Então, quando eu conheci o Fernando, nós acabamos por ter as mesmas ideias em relação a uma produção independente e em como lidar com essa realidade de um orçamento baixo. Essa foi uma das razões para eu decidir filmar no Uruguai.

Houve mudanças no roteiro por conta disso?

OLIVIER - Inicialmente, no primeiro rascunho, a história ainda era na Argentina. Passava-se em uma pequena cidade de lá e a fronteira era com Iguaçu, entre Argentina e o Brasil. E eles teriam que vir para o Brasil. Então, quando decidimos filmar no Uruguai, eu não queria ter que precisar desse deslocamento por conta dos custos.  Mas eu precisava de dois países na história. Inicialmente, era Argentina e Brasil, depois, por conta do orçamento, o roteiro mudou para Uruguai e Argentina.

Maria, como foi a experiência de trabalhar com Ramzy e Olivier?

MARIA - Foi a pior experiência da minha vida (risos). Não, não, não. Não é verdade. Ramzy foi um grande parceiro. Ele me fazia rir muito. Eu não sabia falar francês. Eu aprendi apenas as minhas falas para o filme. Então, se eu queria improvisar alguma coisa, era muito difícil porque eu não sabia francês. E por isso acabou sendo difícil.

OLIVIER – Ramzy, na França, costuma improvisar bastante. Ele atua em shows de stand up comedy e costuma improvisar muito.

RAMZY – Em todos os meus filmes, eu costumo ser muito expansivo. Mas não dessa vez. Como comediante, após fazer uma cena, eu tenho uma ideia se ela foi boa ou não. Após ele dizer “corta!”, eu sei se a cena foi boa ou não.  Com Olivier, eu não tinha como saber, uma vez que não era uma comédia que fazíamos. Ninguém estava rindo (risos). Eu não tinha como saber. Então, era algo que eu tinha que experimentar.

OLIVIER – Ele tinha que confiar em mim. Mas antes das gravações, nós não nos conhecíamos. Então, foi uma evolução passo a passo. Mas agora... (neste momento, diretor e ator se abraçam entre risos).

Vocês não se conheciam antes? Como foi a escolha de Ramzy para o papel?

OLIVIER - Foi por conta de Isabelle Carré, que interpreta Sylvie no filme. Ela nos apresentou. Na França, Ramzy é bem famoso como comediante.

RAMZY – Ah, sim, bem famoso. Um astro, mesmo.  (risos)

OLIVIER – Sim, um astro da comédia. Claro que sim! Eu havia visto um trabalho dele em um filme independente francês. Um drama. Então, ali soube que ele estava pronto para meu filme.

Ele não era sua primeira escolha?

OLIVIER - Não. Os produtores queriam Ramzy, pois na França ele era famoso, mas, ao mesmo tempo, eles estavam inseguros, uma vez que ele era um comediante. Sempre perguntando se eu estava seguro da escolha. Mas eu não tinha dúvidas.

A camaradagem entre colegas que se reflete no resultado final do filme

O filme traz uma sensação de vida simples, principalmente com o personagem do garoto. Algo mais bucólico, mais simples. Há muitos filmes no Brasil, Argentina, Uruguai, mas o ponto de vista nunca é tão otimista como o seu mostra. Então, foi uma surpresa para nós que uma pequena cidade como Florida tivesse uma visão tão idílica. E isso é algo que o roteiro valoriza. Isso estava na sua construção desde o começo?

OLIVIER – Você tem razão. Nós estávamos buscando por uma cidade bem pacífica, então quando chegamos ao Uruguai, buscamos um lugar bem idílico. Mas eu não queria que fosse algo folclórico ou clichê. Então, em Florida, fomos a vários locais reais que serviram como set. A delegacia, por exemplo. Algumas personagens são pessoas reais da cidade, como o padre, por exemplo. Um dos policiais, também. Nós selecionamos um elenco real com as pessoas de lá. Quando encontramos a cidade de Florida, acabamos por reescrever o roteiro para a cidade. Por exemplo, as cenas no rio. Nós as inserimos no roteiro por conta da cidade. Para criar essa impressão idílica e refletindo na felicidade do garoto naquele lugar. Algo que, aos poucos, Ramzy vai percebendo.

O desenvolvimento da personagem de Ramzy no roteiro é perceptível, uma vez que suas intenções mudam no decorrer da história. Ele chega a Florida concordando com os princípios de Sylvie, cuja agressividade destoa da calma de Ramzy. O roteiro sempre teve o ponto de vista de Mehdi 
(Ramzi) como inicial?

OLIVIER – A personagem da mãe, realmente, não era muito simpática (risos). De fato, o filme é feito pelo ponto de vista do personagem de Ramzy. No inicio, quando ele chega à cidade, ele conhece o garoto e vai percebendo como a criança é feliz naquele lugar. É quando ele começa a se perguntar se deve realmente tirá-lo dali.  E o mesmo acontece com o espectador. Sobre a agressividade de Sylvie,  essa característica da personagem foi uma das razões para que Isabelle aceitasse interpretar o papel. Pois não era um personagem clichê. Sylvie, sua personagem, não é uma pessoa simpática. Ela é um pouco louca. Eu disse a ela: você não tem tempo de ser educada. De ser gentil. Você precisa ser dura.


Eu gostaria de perguntar sobre uma cena especifica em seu filme que é quando Mehdi (Ramzy) liga para Sylvie (Isabelle) e ela pede para que ele coloque o telefone de forma que ela escute a voz do filho que brinca no campo de futebol. Para mim é uma bela rima visual, uma vez que coloca a personagem dela sozinha a ouvir a voz do seu, filho enquanto ela mesma está em um playground.  E a mesma rima volta a acontecer quando, no final, ela escala o brinquedo onde o filho está.

OLIVIER - Claro. Há ali uma intenção. No entanto, quando você escreve o roteiro, as ideias surgem e elas nem sempre têm essa correspondência. Quando você vai em busca de locações, isso acontece. É quando essas ideias surgem. Mas, claro, eu buscava esse tipo de correspondência. Esse eco. Quando nós estávamos em Montevidéu, nós vimos esse parquinho para crianças. E estava vazio. Era um parque para crianças, mas não havia nenhuma brincando lá. Eu observei aquilo e percebi uma beleza no contraste de Isabelle (Carré) sozinha, ali, ouvindo e imaginando-o a brincar com os amigos do outro lado da linha.

Para mim é a mais bela cena do filme, pois ela se vê tão próxima do filho, mas, ao mesmo tempo ela está tão distante dele.

OLIVIER – Eu espero que o espectador tenha essa mesma impressão,

RAMZY – É a primeira vez que eu entendo essa cena. Do que você realmente estava falando com essa cena, Olivier. Você é um gênio. (gargalhadas)

OLIVIER – Ao seu dispor, Ramzy (risos). Bom, sobre isso, às vezes, quando você está escrevendo, você pensa que aquilo pode ser exagerado. Você não sabe se algo pode ser exagerado, essa metáfora. Então você precisa achar uma maneira de filmar isso de um modo que não seja clichê. Quando você escreve uma cena como essa, com ela no meio de um parquinho para crianças, sozinha, alguém pode ler e achar aquilo muito óbvio. Então, você precisa achar uma maneira de filmar aquilo de forma tenra. Nessa cena, o espectador vai descobrindo aos poucos que ela está em um parquinho. Essa era a ideia. Tentar usar de modo tenro a relação daquele lugar com ela.

Sylvie (Carré) sozinha após ouvir a voz do filho depois de anos

Como foi o trabalho de dirigir crianças?

OLIVIER - O garoto, Dylan Cortes, é de Montevidéu. Ele era muito profissional, com experiência no palco e com comerciais. Ele chegava a ser profissional até demais em alguns momentos (risos). Nós tínhamos que buscar uma inocência nele, tinha que buscar por sua ingenuidade. Isso porque ele era um ator que sabia exatamente o que fazer. Eu acredito que um ator infantil consegue se sair melhor em uma performance quando você não o trata como criança. Então, com ele acabou sendo fácil

E teve o uso do futebol que tornou as coisas mais fáceis, por ser uma linguagem universal.

OLIVIER – Sim. E nas cenas na caminhonete, todos eles pareciam muito naturais. Não era improvisação, pois sabíamos o modo como queríamos filmá-los. Mas a forma como Ramzy se aproximou deles, brincando sobre ser melhor jogador que todos eles, foi algo natural, que os deixou bem à vontade.

RAMZY – Sim.  Mas, também, foi muito estranho para mim me colocar naquela posição de ficar seguindo as crianças de carro, como um predador. Durante as filmagens, quando tinha pausas, eu sempre dizia isso ao Olivier. “É muito estranho essa situação. As crianças não me vêem. Eu fico as seguindo, me escondendo.” E ele dizia: “Confie em mim.” E ele estava certo.

Mas o seu personagem não estava confortável com aquela situação.

RAMZY – Exatamente. Não estava. Também não era muito natural para mim atuar daquela maneira. Porque eu estava muito desconfortável com aquilo.

Maria, fazer um filme como este, que tipo de portas você espera que abram para sua carreira?

MARIA – Espero que todas. (risos). Na verdade, não é a primeira vez que faço um filme voltado para o público estrangeiro. Mas é a primeira vez que atuo em um filme falado em parte em outro idioma. E esse foi um grande desafio. E a verdade é que eu não falava francês antes do filme. Eu aprendi especialmente para esse papel. Então, posso esperar por algumas criticas em relação ao idioma. Em algum ponto, isso me mostra que posso me preparar para um personagem, mas também que quando um autor quer que eu fale em outro idioma, eu vou ter que falar. Eu tenho que aprender e fazer. E nesse sentido isso me abriu outras portas para poder encarar esses desafios. Eu me sinto mais confiante.

Maria, seu personagem começa o filme como uma pessoa carinhosa com o sobrinho, amável. De um momento para o outro, você precisa mudar totalmente para uma pessoa egoísta e um tanto agressiva. E isso acontece tão rápido. Como foi essa mudança?

MARIA - Foi difícil. Por um lado, a construção do personagem foi muito discutida com Olivier, pois na criação do casting, ela era diferente do que acabou sendo. Ela seria alguém tinha mais ou menos quarenta anos, e falava muito bem francês. Que teria uma aproximação maior para uma atriz francesa. Quando ele decidiu que eu iria interpretá-la, não somente mudou a idade da personagem, como também mudou muito o idioma. E ela acabou sendo originária de outro lugar. Por um lado é isso. Por outro é que o personagem de Maria, para mim, é o mais fascinante no filme. Pois ele é o único que muda realmente durante todo o roteiro. É o único de todos os personagens que não tem todas as informações. É o único que não sabe toda a verdade.  Por isso que ela tem essa reação. Pois ela percebe que todos mentiram, todos sabiam de algo, menos ela. E isso acaba por mudar sua vida. E ela fica sem ação, sem saber o que fazer. Acaba  sendo algo bonito no personagem. Porque a torna humana. Essa mudança repentina, quando ela não sabe o que fazer, mas que, finalmente se dá conta que não era esse o caminho correto a se tomar. Ela percebe que seu sobrinho merece conhecer a mãe. E foi isso o que mais me pareceu fascinante no personagem. Essa mudança.


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