quinta-feira, 5 de abril de 2018

Um Lugar Silencioso


(A Quiet Place, EUA, 2018) Direção: John Krasinski. Com Emily Blunt, John Krasinski, Noah Jupe e Millicent Simmonds.



Por João Paulo Barreto

Há na direção de John Krasinski para Um Lugar Silencioso algo perceptível desde os primeiros momentos do filme até o seu clímax eletrizante. O que percebemos no olhar do diretor é uma leveza na construção de sua trama. Mesmo produzida por Michael Bay, a obra não possui sequer um traço da mão pesada e da megalomania do diretor de Transformers na intenção de impressionar o espectador no que tange aos aspectos visuais e/ou sonoros. Não há uma montagem com cortes rápidos ou sustos fáceis, tão comum na leva recente de filmes de suspense e terror, por exemplo. Aqui, apesar de ter o som como principal instrumento narrativo, o que Krasinski busca não é manipular o espectador com barulho repentino no intuito de ampliar impacto, para usar uma expressão mais de acordo com o que Michael Bay faria.

O que o diretor de Um Lugar Silencioso encontra em seu filme é um modo de nos convidar para aquele universo de dor, conhecendo a fundo aquela família despedaçada pela perda e pela necessidade de seguir adiante. E ao conseguir tal proeza em exatos 90 minutos, ok, isso denota uma muito bem vinda ausência de ego inflado, comum em diretores habituados a inchar seus filmes quando os mesmos não possuem muito a dizer e quando qualquer mensagem poderia ser transmitida em uma hora e meia, no máximo. A moldura do terror, aqui, serve justamente como isso. Algo que circunda uma família cujo trauma e dor da perda ainda tão recente parece significar apenas um prelúdio para o que ainda de pior está por vir. 

Lee diante de uma tragédia anunciada

Seguindo uma narrativa enxuta, mas repleta de simples elementos ilustrativos que remetem a um futuro pós-apocalíptico, reconhecemos na tela diversos artifícios criados pelos habitantes daquele mundo silencioso para se esconder das cegas, porém aguçadas, criaturas assassinas que os perseguem. Desde as trilhas de areia ou o fato de todos os personagens estarem sempre de pés descalços, passando pelas marcas artificiais pintadas no chão da casa sinalizando os locais seguros onde o piso não range, e até mesmo as luzes que iluminam a noite do rancho onde vivem Lee (vivido pelo próprio diretor), Evelyn (Blunt), e as crianças Marcus e a deficiente auditiva Regan (a pequena atriz, e surda na vida real, Millicent Simmonds). Estes dois últimos, inclusive, desenham uma sagaz homenagem do diretor à obra do escritor Stephen King, As Crianças do Milharal.  Todos esses elementos visuais demonstram um esmero brilhante que a produção possui nestas inserções sem a necessidade de explicá-los ao espectador. Um palpável respeito à inteligência do público. 

SOM COM SOBRIEDADE

Em um filme cuja trama gira em torno do som, Um Lugar Silencioso, claro, valoriza ao máximo a sua diegese, sons que naturalmente são oriundos dos ambientes onde se passa a sua história. Mesmo não sendo novidade para o cinema o uso sóbrio dessa valorização dos efeitos sonoros (ou da ausência deles) no intuito de amplificar a tensão para o espectador, aqui, tal artifício se torna crucial para estabelecer o ambiente sufocante que a construção do roteiro elabora de modo gradativo. 

Logo, se temos no uso dos sussurros um modo de perceber a cumplicidade daquela família, é no grito libertador que uma personagem solta durante um momento de dor que a permite salvar a sua vida e a de seu bebê que encontramos um extravasar não somente da tensão diante da sua fuga, mas, também, da nossa perante aquele presenciar terrível. E quando encontramos uma rima temática entre o mesmo ato de gritar visando uma entrega egoísta e suicida, e a ação idêntica sendo cometida por razões bem mais nobres, bom, resta a percepção de que estamos diante de uma obra singular.

O brilhante uso da cor vermelha nas luzes a denotar o perigo iminente

O resultado é um filme enxuto, redondo, com um final ao mesmo tempo perturbador, angustiante e redentor, que consegue captar a atenção do seu público de forma honesta e direta. Que mais trabalhos possam surgir nesse mesmo nível. O cinema de gênero agradece.



*Crítica originalmente publicada em A Tarde, dia 08/04/2018



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