(A Quiet Place, EUA, 2018) Direção: John Krasinski.
Com Emily Blunt, John Krasinski, Noah Jupe e Millicent Simmonds.
Por João
Paulo Barreto
Há na direção de John Krasinski para Um Lugar Silencioso algo perceptível desde os primeiros momentos do
filme até o seu clímax eletrizante. O que percebemos no olhar do diretor é uma
leveza na construção de sua trama. Mesmo produzida por Michael Bay, a obra não
possui sequer um traço da mão pesada e da megalomania do diretor de Transformers na intenção de impressionar
o espectador no que tange aos aspectos visuais e/ou sonoros. Não há uma
montagem com cortes rápidos ou sustos fáceis, tão comum na leva recente de
filmes de suspense e terror, por exemplo. Aqui, apesar de ter o som como
principal instrumento narrativo, o que Krasinski busca não é manipular o
espectador com barulho repentino no intuito de ampliar impacto, para usar uma
expressão mais de acordo com o que Michael Bay faria.
O que o diretor de Um
Lugar Silencioso encontra em seu filme é um modo de nos convidar para
aquele universo de dor, conhecendo a fundo aquela família despedaçada pela
perda e pela necessidade de seguir adiante. E ao conseguir tal proeza em exatos
90 minutos, ok, isso denota uma muito bem vinda ausência de ego inflado, comum
em diretores habituados a inchar seus filmes quando os mesmos não possuem muito
a dizer e quando qualquer mensagem poderia ser transmitida em uma hora e meia,
no máximo. A moldura do terror, aqui, serve justamente como isso. Algo que
circunda uma família cujo trauma e dor da perda ainda tão recente parece significar
apenas um prelúdio para o que ainda de pior está por vir.
Lee diante de uma tragédia anunciada |
Seguindo uma narrativa enxuta, mas repleta de simples elementos
ilustrativos que remetem a um futuro pós-apocalíptico, reconhecemos na tela
diversos artifícios criados pelos habitantes daquele mundo silencioso para se
esconder das cegas, porém aguçadas, criaturas assassinas que os perseguem.
Desde as trilhas de areia ou o fato de todos os personagens estarem sempre de
pés descalços, passando pelas marcas artificiais pintadas no chão da casa
sinalizando os locais seguros onde o piso não range, e até mesmo as luzes que
iluminam a noite do rancho onde vivem Lee (vivido pelo próprio diretor), Evelyn
(Blunt), e as crianças Marcus e a deficiente auditiva Regan (a pequena atriz, e
surda na vida real, Millicent Simmonds). Estes dois últimos, inclusive,
desenham uma sagaz homenagem do diretor à obra do escritor Stephen King, As Crianças do Milharal. Todos esses elementos visuais demonstram um
esmero brilhante que a produção possui nestas inserções sem a necessidade de
explicá-los ao espectador. Um palpável respeito à inteligência do público.
SOM COM SOBRIEDADE
Em um filme cuja trama gira em torno do som, Um Lugar Silencioso, claro, valoriza ao
máximo a sua diegese, sons que naturalmente são oriundos dos ambientes onde se
passa a sua história. Mesmo não sendo novidade para o cinema o uso sóbrio dessa
valorização dos efeitos sonoros (ou da ausência deles) no intuito de amplificar
a tensão para o espectador, aqui, tal artifício se torna crucial para
estabelecer o ambiente sufocante que a construção do roteiro elabora de modo
gradativo.
Logo, se temos no uso dos sussurros um modo de perceber a
cumplicidade daquela família, é no grito libertador que uma personagem solta
durante um momento de dor que a permite salvar a sua vida e a de seu bebê que
encontramos um extravasar não somente da tensão diante da sua fuga, mas,
também, da nossa perante aquele presenciar terrível. E quando encontramos uma
rima temática entre o mesmo ato de gritar visando uma entrega egoísta e suicida,
e a ação idêntica sendo cometida por razões bem mais nobres, bom, resta a
percepção de que estamos diante de uma obra singular.
O brilhante uso da cor vermelha nas luzes a denotar o perigo iminente |
O resultado é um filme enxuto, redondo, com um final ao
mesmo tempo perturbador, angustiante e redentor, que consegue captar a atenção
do seu público de forma honesta e direta. Que mais trabalhos possam surgir
nesse mesmo nível. O cinema de gênero agradece.
*Crítica originalmente publicada em A Tarde, dia 08/04/2018
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