sexta-feira, 3 de maio de 2013

Mãe e Filha


(Brasil, 2011) Direção: Petrus Cariry. Com Zezita Matos e Juliana Carvalho


Por João Paulo Barreto

A jovem filha volta para casa no interior do Ceará na caçamba de um caminhão, portando apenas uma mala e uma pequena caixa de papelão cujo peso não parece prejudicá-la em momento nenhum para carregar. No entanto, a carga contida dentro daquela caixa possui o peso mais descomunal do mundo. Algo que, para aquela mulher, representa toda dor e sofrimento que um ser humano é capaz de sentir.

A idosa mãe a recebe da melhor forma que uma mãe pode receber sua filha que há tempos não retorna para os braços de sua família. A cidade com suas casas em ruínas e ruas desertas representa justamente a desolação daqueles corações e a tristeza arrebatadora de suas vidas. Nada pode curá-las daquela perda. O conteúdo daquela caixa de papelão minúscula nunca as deixará em paz, por mais que uma delas tente se enganar ao fingir que tudo está bem.

Mãe e Filha, filme de Petrus Cariry, é o tipo de obra que não oferece redenção. Apenas dor e uma sensação de vazio ao se deixar a sala de projeção. E é justamente por isso que ela é tão fascinante. O filme te absorve como espectador. Ele te traz a mesma sensação de desespero que aquelas duas mulheres, que aquelas duas gerações sentem. Com uma fotografia (dirigida pelo próprio Cariry) que se baseia no contraste entre a escuridão e a parca força das luzes de candeeiro e, também, no choque entre a luz natural do dia e a escuridão interna do lar, o longa nos coloca inteiramente naquele universo. E, por pura identificação àquele sofrimento inominável, não queremos deixá-lo ao ocaso.

Luz e sombras ilustram o mundo de dor daquelas mulheres
Criando uma alegoria magnífica ao inserir personagens simbólicos de vaqueiros como cobradores de algum débito sobrenatural ou representantes do equilíbrio entre vida e morte (quatro cavaleiros do apocalipse?), Mãe e Filha ilustra de modo perfeito a confusão mental e desequilíbrio que aquelas duas mulheres estão passando. As emoções das personagens são escondidas atrás de um véu de ilusão. Enquanto a mãe refere-se ao neto como alguém que lhe encherá o coração de alegria, vemos a filha buscar um falso equilíbrio ao encarar aquela situação de modo pretensamente racional, como se aquela dor fosse algo capaz de se lidar de forma consciente.

Cariry cria uma narrativa repleta de silêncio. E o que é mais doloroso que a impossibilidade de se demonstrar seu sofrimento? O silêncio da dor repreendida e a impossibilidade de dar vazão aquela agonia da perda. Zezita Matos e Juliana Carvalho, nos papeis de mãe e filha respectivamente, demonstram a dor de suas personagens de um modo cujo sufocamento é quase palpável. Não carece de gritos e choros para percebermos como a agonia daquela perda está machucando aqueles seres humanos. “Meu neto. É como ser mãe de novo. Você vai encher meu coração de alegria”, diz a idosa mãe enquanto segura o corpo minúsculo nos braços.

A dor  da perda e a tentativa de suprimi-la enganando a si mesma
Alguém disse antes que há uma razão para não haver uma palavra que defina pais que perderam seus filhos, do modo como estes podem ser chamados de órfãos quando os que os geraram se vão. A razão é que a dor de perder um rebento é por demais dilacerante para que a pessoa que a esteja sentindo tenha uma definição.

Mãe e Filha não é um filme para ser visto. É um filme para ser sentido. O peso daquela caixa de papelão seria algo que eu, admito, não conseguiria suportar.

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