(Tôkyô
monogatari, Japão, 1953) Direção: Yasujirô Ozu. Com Chishû Ryû, Chieko
Higashiyama, Setsuko Hara, Haruko Sugimura.
Por João Paulo Barreto
Era uma vez em Tóquio, notório trabalho do cineasta japonês
Yasujirô Ozu, traz exposto em cada frame a marca de um cineasta que propôs em
toda sua filmografia uma discussão acerca de dramas familiares e a observação
do cotidiano humano como algo bem mais complexo do que um simples olhar pode
captar.
O cinema de Ozu pede uma
observação mais aguçada e atenta para detalhes presentes na natureza do
convívio familiar. São sutilezas ilustradas em histórias que transparecem simplicidades.
Seus dramas, porém, são bem mais profundos do que aparentam a cordialidade e os sorrisos
de seus personagens. Em Era uma vez em
Tóquio, o que vemos é a necessidade de adaptação e equilíbrio mútuo entre
gerações separadas não somente pela distância geográfica, mas, também, por elos
emocionais que parecem perdidos.
Na história, os pais idosos
Shukishi e Tomi Hirayama viajam para Tóquio em visita aos filhos que lá vivem.
Deixam o bucolismo do interior do Japão na expectativa de conhecer em Tóquio
toda a ideia de metrópole industrializada que têm em mente. A ilustração dessa
diferença de ares é inserida por Ozu com a passagem de chaminés em uma fábrica,
o que contrasta diretamente com o que o casal está habituado em sua rotina no
interior.
Sorrisos a esconder a melancolia de uma velhice solitária |
A partir do reencontro, começa um
cuidadoso estudo dos personagens. As impressões iniciais que os idosos tinham
da metrópole não se cumprem com as suas expectativas ao perceber que os filhos
vivem na periferia campestre da cidade. A expectativa frustrada do pai ao
perceber que seu filho, apesar de médico, não goza do prestigio imaginado pelo
senhor quanto a tal cobiçada profissão só é abertamente demonstrada após o
incentivo da coragem liquida contida no saquê.
Os netos, um tanto avessos
socialmente, parecem indiferentes à presença dos avós na casa. Em certo
momento, a matriarca busca uma aproximação do garoto mais jovem. O mesmo parece
ignorar as palavras que lhe são direcionadas. Esta, por sinal, é uma das primeiras
cenas onde a aparência sempre cortês e sorridente da senhora cede espaço à
melancolia ao admitir que não tem esperança de estar presente quando o neto
estiver crescido e formado em medicina. São pessoas que vivem escondendo suas
dores. Que parecem não se sentir confortáveis em compartilhar sentimentos e
vivem presas à introspecção.
Os filhos do casal Hirayama vivem
em suas rotinas e tentam se adaptar à presença dos pais da melhor forma
possível. Preocupados em tornar confortável a estadia dos dois, erram ao
enviá-los para um período nas termas da cidade, local que, repleto de jovens e
música, contrasta com a necessidade de sossego e silêncio dos pais. Mais um
momento onde se percebe a inadaptação dos dois ao ritmo de vida fora do lugar
onde moram.
A nora, mais que uma filha após
morte do marido oito anos antes, ainda não superou a perda e não atende aos
pedidos dos sogros para que se case novamente. Esta personagem, diga-se de
passagem, representa um dos mais belos elos da história, demonstrando que os
laços afetivos do universo de Ozu não estão restritos apenas a ligações consanguíneas.
O modo como o casal, em prol da felicidade que a nora merece, parece abdicar da
dor e do luto pela morte do filho oito anos antes, encanta em sua simplicidade.
Um simples “arigato” ganha um
significado imenso pelo ato simples, mas gigantesco que o gerou.
Enquadramentos estáticos e mise en scène exata |
Em uma obra que prima por um
estudo das relações familiares acerca da adaptação das pessoas à perda de seus
entes, Era uma vez em Tóquio traz um
leque de personagens que, presos a uma tradição que parece não permitir a falta
de discrição no demonstrar de emoções, acabam, por isso, se entregando a elas
de um modo bem mais doloroso.
Com seus quadros estáticos a
simbolizar a rotina aparentemente imutável dos seus personagens e o modo como a
mise en scène parece milimetricamente
exata, o longa traz uma serenidade precisa em sua montagem, jamais deixando que
os dramas das pessoas que habitam aquela história transpareçam no modo como Ozu
optou por registrá-la. É quase como se o espectador fosse um voyeur naqueles
ambientes.
As rimas visuais são precisas,
justificando as repetições de enquadramentos de uma forma que a ausência de certo
personagem ao final é sentida de modo ainda mais doloroso.
Rima visual: Ozu cria na repetição de quadros um impacto doloroso |
Exibido em vinte de maio de 2014,
na segunda sessão do Cineclube Glauber Rocha, o filme era observado em um
silêncio contagiante pela platéia. As cenas, quase que em sua totalidade
ausentes de trilha sonora, tinham suas falas naquele idioma musical e contagiante
que ecoava na sala 1 do Espaço Itaú de Cinema de forma triste, mas belíssima.
Após a sessão, o amigo Rafael
Carvalho, crítico de cinema do Moviola
Digital e do site Coisa de Cinema,
nos apresentou uma elucidativa palestra sobre o cinema de Yasujirô Ozu,
contribuindo para o melhor entendimento daquela complexa gama de
sentimentos.
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