quinta-feira, 22 de maio de 2014

Era uma vez em Tóquio

(Tôkyô monogatari, Japão, 1953) Direção: Yasujirô Ozu. Com Chishû Ryû, Chieko Higashiyama, Setsuko Hara, Haruko Sugimura.



Por João Paulo Barreto

Era uma vez em Tóquio, notório trabalho do cineasta japonês Yasujirô Ozu, traz exposto em cada frame a marca de um cineasta que propôs em toda sua filmografia uma discussão acerca de dramas familiares e a observação do cotidiano humano como algo bem mais complexo do que um simples olhar pode captar.

O cinema de Ozu pede uma observação mais aguçada e atenta para detalhes presentes na natureza do convívio familiar. São sutilezas ilustradas em histórias que transparecem simplicidades. Seus dramas, porém, são bem mais profundos do que aparentam a cordialidade e os sorrisos de seus personagens. Em Era uma vez em Tóquio, o que vemos é a necessidade de adaptação e equilíbrio mútuo entre gerações separadas não somente pela distância geográfica, mas, também, por elos emocionais que parecem perdidos.

Na história, os pais idosos Shukishi e Tomi Hirayama viajam para Tóquio em visita aos filhos que lá vivem. Deixam o bucolismo do interior do Japão na expectativa de conhecer em Tóquio toda a ideia de metrópole industrializada que têm em mente. A ilustração dessa diferença de ares é inserida por Ozu com a passagem de chaminés em uma fábrica, o que contrasta diretamente com o que o casal está habituado em sua rotina no interior.

Sorrisos a esconder a melancolia de uma velhice solitária 
A partir do reencontro, começa um cuidadoso estudo dos personagens. As impressões iniciais que os idosos tinham da metrópole não se cumprem com as suas expectativas ao perceber que os filhos vivem na periferia campestre da cidade. A expectativa frustrada do pai ao perceber que seu filho, apesar de médico, não goza do prestigio imaginado pelo senhor quanto a tal cobiçada profissão só é abertamente demonstrada após o incentivo da coragem liquida contida no saquê.  

Os netos, um tanto avessos socialmente, parecem indiferentes à presença dos avós na casa. Em certo momento, a matriarca busca uma aproximação do garoto mais jovem. O mesmo parece ignorar as palavras que lhe são direcionadas. Esta, por sinal, é uma das primeiras cenas onde a aparência sempre cortês e sorridente da senhora cede espaço à melancolia ao admitir que não tem esperança de estar presente quando o neto estiver crescido e formado em medicina. São pessoas que vivem escondendo suas dores. Que parecem não se sentir confortáveis em compartilhar sentimentos e vivem presas à introspecção.    

Os filhos do casal Hirayama vivem em suas rotinas e tentam se adaptar à presença dos pais da melhor forma possível. Preocupados em tornar confortável a estadia dos dois, erram ao enviá-los para um período nas termas da cidade, local que, repleto de jovens e música, contrasta com a necessidade de sossego e silêncio dos pais. Mais um momento onde se percebe a inadaptação dos dois ao ritmo de vida fora do lugar onde moram.

A nora, mais que uma filha após morte do marido oito anos antes, ainda não superou a perda e não atende aos pedidos dos sogros para que se case novamente. Esta personagem, diga-se de passagem, representa um dos mais belos elos da história, demonstrando que os laços afetivos do universo de Ozu não estão restritos apenas a ligações consanguíneas. O modo como o casal, em prol da felicidade que a nora merece, parece abdicar da dor e do luto pela morte do filho oito anos antes, encanta em sua simplicidade. Um simples “arigato” ganha um significado imenso pelo ato simples, mas gigantesco que o gerou.   

Enquadramentos estáticos e mise en scène exata 
Em uma obra que prima por um estudo das relações familiares acerca da adaptação das pessoas à perda de seus entes, Era uma vez em Tóquio traz um leque de personagens que, presos a uma tradição que parece não permitir a falta de discrição no demonstrar de emoções, acabam, por isso, se entregando a elas de um modo bem mais doloroso.      

 Com seus quadros estáticos a simbolizar a rotina aparentemente imutável dos seus personagens e o modo como a mise en scène parece milimetricamente exata, o longa traz uma serenidade precisa em sua montagem, jamais deixando que os dramas das pessoas que habitam aquela história transpareçam no modo como Ozu optou por registrá-la. É quase como se o espectador fosse um voyeur naqueles ambientes.

As rimas visuais são precisas, justificando as repetições de enquadramentos de uma forma que a ausência de certo personagem ao final é sentida de modo ainda mais doloroso.

Rima visual: Ozu cria na repetição de quadros um impacto doloroso
Exibido em vinte de maio de 2014, na segunda sessão do Cineclube Glauber Rocha, o filme era observado em um silêncio contagiante pela platéia. As cenas, quase que em sua totalidade ausentes de trilha sonora, tinham suas falas naquele idioma musical e contagiante que ecoava na sala 1 do Espaço Itaú de Cinema de forma triste, mas belíssima.

Após a sessão, o amigo Rafael Carvalho, crítico de cinema do Moviola Digital e do site Coisa de Cinema, nos apresentou uma elucidativa palestra sobre o cinema de Yasujirô Ozu, contribuindo para o melhor entendimento daquela complexa gama de sentimentos.  

Uma noite memorável.

Rafael Carvalho durante o papo pós filme. Foto: Lara Carvalho



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