quarta-feira, 14 de maio de 2014

Praia do Futuro

(Brasil/Alemanha, 2013) Direção: Karim Aïnouz. Com Wagner Moura, Clemens Schick, Jesuita Barbosa.


Por João Paulo Barreto

Quando o salva vidas Donato (Wagner Moura) afirma que os prédios não são construídos na Praia do Futuro, em Fortaleza, ele justifica que é pelo fato do salitre no local ser tão violento que acaba destruindo o concreto das construções para comer o aço que tem dentro. Essa afirmação pode perfeitamente ser aplicada ao momento da vida daquele rapaz, cuja tragédia de não ter conseguido salvar um banhista na mesma praia supostamente começa a consumi-lo de forma semelhante ao salitre e o aço nos edifícios.

Ele, no entanto, salva um dos banhistas. Konrad (Clemens Schick, indiferente) é um motociclista profissional alemão em viagem pela América do Sul. Ao perder o amigo para o mar, se envolve com Donato em uma paixão ofegante que os dois parecem usar como válvula de escape para a frustração que vêm sentindo pela tragédia que se abateu sobre eles. O primeiro ato do longa, batizado de “O Abraço do Afogado”, representa essa necessidade de escapar.. Apenas não contam com a ideia de se apaixonar em uma aventura que fará Donato trocar a companhia de seu irmão caçula, Ayrton, sua mãe dependente e o clima tropical do Ceará pelo frio constante da Alemanha ao seguir com Konrad para a Europa.

Donato e Konrad: fuga, carência e inadaptação 
Praia do Futuro, novo trabalho de Karim Aïnouz (Madame Satã e O Céu de Suely), apesar de propor inicialmente a ideia de relacionar o trauma de Donato com sua necessidade de fuga, acaba por não justificar tal atitude do personagem em suas palavras e ações. Com o título do segundo ato, “Um herói partido ao meio”, levando o espectador a crer que o peso da morte em sua consciência representará essa quebra, a forma quase infantil como o protagonista lidará com seus problemas decepciona por não encontrar um reflexo evidente de seu comportamento na perda que sofrera.

Sem se adaptar ao frio europeu, o rapaz parece se esconder em justificativas vazias para permanecer em Berlim, onde apenas a companhia de Konrad lhe serve como âncora. “Eu tenho irmão, tenho mãe pra sustentar, Konrad. Não é só você, não”, ele afirma num momento de fúria explicando uma das suas várias(!) tentativas de voltar ao Brasil. Seu sofrimento não é relacionado com a perda, pelo menos isso não fica claro no roteiro de Felipe Bragança (A Alegria) e do próprio Aïnouz. O que torna suas atitudes desconexas, irresponsáveis e covardes (não por acaso, um dos insultos que houve do próprio Konrad, mas não pelas razões corretas).

Em seus vários ultimatos relacionados à sua volta ao Brasil, anos se passam e sua vida encontra uma rotina que o mantém sem a aparente necessidade de se questionar. A réplica para a afirmação de que não conseguiria viver em uma cidade sem mar acaba por ser encontrada em um emprego de limpador de aquários gigantes, onde parece encontrar um calmante para sua necessidade de ser o tal “aquaman” que o pequeno Ayrton, seu irmão, lhe apelidou anos antes. O modo como o diretor insere esta cena, prima por uma rima brilhante: dentro daquele mundo frio, de idioma estranho onde ele parece nunca se sentir bem-vindo, seu habitat natural é inserido de forma orgânica, tornando possível sua sobrevivência naquele lugar.

Ayrton em sua busca por confrontação e respostas de Donato

Nadar, afinal, sempre foi sua necessidade vital. Sua transformação física, de aparência conservadora condizente tanto com sua profissão de salva-vidas quanto com sua postura insegura, se reflete no título do terceiro ato, “Um fantasma que fala alemão”, já que suas dificuldades com o idioma parecem ter sido deixadas para trás, mas ele ainda parece se esconder atrás de um disfarce, desta vez em barba longa e cabelos desgrenhados. Ao sentir o sol de Berlim no rosto, sorri, curtindo aquele breve momento de calor que o leva de volta ao sol de Fortaleza. A fotografia do filme, inclusive, torna as duas cidades semelhantes em sua aspereza, apesar do tamanho contraste em suas temperaturas.

Mas sua fuga não passará em branco. Seu passado vem a Berlim para cobrar justificativas e a violência com que Ayrton (Jesuíta Barbosa, se firmando como uma gema da nova geração de atores) demonstra ao reencontrá-lo, é o mínimo que se pode esperar de alguém que, apesar de se sentir abandonado, sabe como demonstrar sua dignidade ao dizer que a vida seguiu sem o irmão, que ninguém precisava esperar por ele. E Donato aceita aquela violência sem revidar. Tampouco poderia.

O fantasma que fala alemão
Os tormentos dos personagens de Praia do Futuro são aqueles comuns a muitas pessoas. A inércia de uma vida que parece vazia, sem as perspectivas que a mudança de ares poderá trazer, mas que nem sempre funcionará como a melhor decisão. Wagner Moura consegue trazer para Donato essa urgência. Quando o vemos titubear ao correr em direção ao mar com os colegas de profissão, percebe-se que a sua busca por algo a mais (mesmo que desconhecido) começa a falar mais alto. Sua entrega apenas serve para ratificar a insegurança que a inércia lhe apresenta. E Moura, sem vaidades, se entrega ao papel com a mesma urgência.

Com uma rima temática belíssima, a última cena do filme, onde os personagens se encontram ilhados em um mar inexistente, nos leva ao tempo em que aqueles dois irmãos sorriam em brincadeiras ingênuas e infantis. O perdão se torna inevitável.

Ao final, com a voz de David Bowie afirmando que nós podemos ser heróis por um dia, a impressão que Praia do Futuro nos deixa é a de que o clichê de que não se pode fugir do passado se aplica. E muito bem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário