(Brasil, 1971) Direção: Eduardo Coutinho. Com Eliezer
Gomes, Jorge Gomes, Anecy Rocha, Gracinda Freire.
Por João Paulo Barreto
Em Faustão, exemplo singular de sua carreira pré-documentarista,
Eduardo Coutinho já demonstrava um talento próprio pra destrinchar a natureza
humana que seus personagens (reais e fictícios) poderiam esconder embaixo de
uma superfície dura, fechada, que poderia, aparentemente, ser difícil de
penetrar.
Do mesmo modo como em seus
documentários, o compartilhar das dores e reflexões intrínsecas ao homem é o
grande mote deste faroeste que conta a história do cangaceiro Faustino
Guabiraba, assassino com trejeitos irônicos de um Robin Hood da caatinga. Ao
salvar a vida do filho do coronel que havia jurado sua morte, Faustino exige um
resgate para libertá-lo, mas não conta com o fato de que o jovem Henrique (ou
Riquinho, como ele o chama, em uma clara alfinetada) se envolverá com o cangaço,
desenvolvendo uma espécie de Crise de Estocolmo e passando a gostar de seu novo
universo.
Momento em que opta por salvar a vida de Henrique |
Faustão é o símbolo de uma
resistência que já se demonstra desde a cor de sua pele. “Tem que respeitar as
profissões desse sertão. Fazer vida, fazer cangaço. Tem que respeitar”, diz ele
durante uma conversa com uma prostituta, outro símbolo dessa mesma resistência.
É um anti-herói que, apesar de assassino, segue um código moral pleno.
Demonstra em suas atitudes e discursos uma serenidade que contrasta diretamente
com seu modo explosivo. Leva consigo uma ideia de sobrevivência que lhe serve
como um dos pilares de sua rotina, mantendo sempre a fé como o outro. No
entanto, ao se encontrar com um padre, não titubeia em demonstra-lhe todo o
desprezo, mas não deixa para trás os supostos ensinamentos que a fé daquele
homem de batina tenta lhe passar. Mas deixa bem claro que a lei da caatinga é a
sua própria lei, como quando solta os presos de uma cadeia colocando os
policiais (ou macacos, como ele chama) nas celas.
Ao receber dinheiro do dono de
uma mercearia, convoca o povo do vilarejo a retirar a comida do estabelecimento
sob o pretexto que o proprietário do lugar está cansado de esperar perdão do
céu pelos seus atos e quer fazer uma caridade. Na relação entre refém e
sequestrador, acaba por surgir certa admiração mútua. No entanto, é algo que
sabemos por essência que não poderá terminar bem. Ao testemunhar a vida de
Faustão, a conclusão que vem à mente é a de que, produto do meio onde nasceu e
consciente da própria desgraça, este homem flertava com a barbárie, mas mantinha
em si um rígido conceito de moral.
Ironia mordaz: Faustino em um de seus momentos de esperteza |
A mais marcante de suas muitas reflexões sobre
a vida está naquela que cede a uma de suas mulheres que lhe pede para gerar um
filho dele. “Milha flor, essa vida não deixa. Cada dia num lugar, polícia
atrás. Depois que me matam, ainda vão buscar os filhos, os pais. Um despotismo
da desgraça. E se escapar, ainda tem a seca. E se Deus der a benção, o
barrigudinho cresce para ser trabalhador triste de sola sol ou vai pegar no
trabuco tal qual o pai. Não é o homem é o Sertão. Nem padre Cícero nem todos os
santos podem dar jeito nesse sertão de alma penada”.
Conclusão mais do que pertinente
de um homem que abraçou esse sertão fazendo dele seu campo de batalha.
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