terça-feira, 6 de maio de 2014

Faustão

(Brasil, 1971) Direção: Eduardo Coutinho. Com Eliezer Gomes, Jorge Gomes, Anecy Rocha, Gracinda Freire.



Por João Paulo Barreto

Em Faustão, exemplo singular de sua carreira pré-documentarista, Eduardo Coutinho já demonstrava um talento próprio pra destrinchar a natureza humana que seus personagens (reais e fictícios) poderiam esconder embaixo de uma superfície dura, fechada, que poderia, aparentemente, ser difícil de penetrar.

Do mesmo modo como em seus documentários, o compartilhar das dores e reflexões intrínsecas ao homem é o grande mote deste faroeste que conta a história do cangaceiro Faustino Guabiraba, assassino com trejeitos irônicos de um Robin Hood da caatinga. Ao salvar a vida do filho do coronel que havia jurado sua morte, Faustino exige um resgate para libertá-lo, mas não conta com o fato de que o jovem Henrique (ou Riquinho, como ele o chama, em uma clara alfinetada) se envolverá com o cangaço, desenvolvendo uma espécie de Crise de Estocolmo e passando a gostar de seu novo universo.  

Momento em que opta por salvar a vida de Henrique
Faustão é o símbolo de uma resistência que já se demonstra desde a cor de sua pele. “Tem que respeitar as profissões desse sertão. Fazer vida, fazer cangaço. Tem que respeitar”, diz ele durante uma conversa com uma prostituta, outro símbolo dessa mesma resistência. É um anti-herói que, apesar de assassino, segue um código moral pleno. Demonstra em suas atitudes e discursos uma serenidade que contrasta diretamente com seu modo explosivo. Leva consigo uma ideia de sobrevivência que lhe serve como um dos pilares de sua rotina, mantendo sempre a fé como o outro. No entanto, ao se encontrar com um padre, não titubeia em demonstra-lhe todo o desprezo, mas não deixa para trás os supostos ensinamentos que a fé daquele homem de batina tenta lhe passar. Mas deixa bem claro que a lei da caatinga é a sua própria lei, como quando solta os presos de uma cadeia colocando os policiais (ou macacos, como ele chama) nas celas.

Ao receber dinheiro do dono de uma mercearia, convoca o povo do vilarejo a retirar a comida do estabelecimento sob o pretexto que o proprietário do lugar está cansado de esperar perdão do céu pelos seus atos e quer fazer uma caridade. Na relação entre refém e sequestrador, acaba por surgir certa admiração mútua. No entanto, é algo que sabemos por essência que não poderá terminar bem. Ao testemunhar a vida de Faustão, a conclusão que vem à mente é a de que, produto do meio onde nasceu e consciente da própria desgraça, este homem flertava com a barbárie, mas mantinha em si um rígido conceito de moral.
Ironia mordaz: Faustino em um de seus momentos de esperteza
A mais marcante de suas muitas reflexões sobre a vida está naquela que cede a uma de suas mulheres que lhe pede para gerar um filho dele. “Milha flor, essa vida não deixa. Cada dia num lugar, polícia atrás. Depois que me matam, ainda vão buscar os filhos, os pais. Um despotismo da desgraça. E se escapar, ainda tem a seca. E se Deus der a benção, o barrigudinho cresce para ser trabalhador triste de sola sol ou vai pegar no trabuco tal qual o pai. Não é o homem é o Sertão. Nem padre Cícero nem todos os santos podem dar jeito nesse sertão de alma penada”.

Conclusão mais do que pertinente de um homem que abraçou esse sertão fazendo dele seu campo de batalha. 

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