Por João Paulo Barreto
Após dois filmes insossos, a percepção de que Thor era um
personagem que não funcionava muito bem em carreira solo dentro do universo
cinematográfico da Marvel estava confirmada. Junto aos Vingadores, o filho de
Odin conseguia se destacar de forma eficiente devido ao investimento dos
roteiristas em sua interação um tanto cômica com os colegas de equipe, além de
em uma suposta seriedade existente na presença de um Deus entre os humanos. Acrescente
a isso a sua capacidade destrutiva com o martelo Mjölnir, some a interação
violenta com o Hulk e, pronto, lá estava uma figura a se destacar naquele ritmo
de videogame que o diretor Joss Whedon deu aos dois primeiros Vingadores. Porém, ao retirá-lo daquele
contexto de equipe e colocá-lo para resolver os problemas tanto de seu planeta,
Asgard, quanto do que resvalava de lá para a Terra (leia-se Loki, renegados
alienígena e alguns monstros a destruir Londres), a figura mitológica de Thor
parecia não engatar satisfatoriamente nas aventuras dirigidas por nomes como o
do shakespeariano Kenneth Branagh (algo muito bem vindo na primeira aventura) e
o de Alan Taylor, este, dono de uma carreira prolífica na TV, mas sem muito destaque
no cinema.
Eis que chega o desconstrutor neozelandês Taika Waititi e
resolve quebrar esse paradigma. A partir do roteiro escrito pela dupla oriunda
dos quadrinhos, Craig Kyle e Christopher Yost (este último, um dos responsáveis
pela parte dois, O Mundo Sombrio),
além do exclusivo Marvel, Eric Pearson, Waititi investe exatamente nisso: na
desconstrução do personagem e de quase todos os elementos que representam Thor
em sua suposta complexidade e força. Coloque nessa conta, então, a destruição
do Mjölnir e a perda tanto das madeixas loiras quanto de qualquer senso de
seriedade (no bom sentido, friso), acrescente a dose exata de galhofa como as
tentativas falhas de entradas e saídas de personagens em cena (Banner pulando
de uma nave está entre as melhores), e o que fica após 130 minutos de projeção
é essa sensação de um filme que consegue criar uma auto-paródia (a peça teatral
em seu inicio - com a participação de Matt Damon! -, já paga o ingresso), brincar
com seus próprios elementos mitológicos e ainda entregar uma aventura repleta
da violência gráfica e sequências de ação de encher os olhos.
Thor e seu visual de gladiador |
Iniciando com um Thor aparentemente a conversar com o espectador
(esta, uma proposta de mockdocumentary que já havia sido apresentada pelo diretor
em dois vídeos promocionais), o filme já diz a que veio em sua abertura,
quando, preso e pendurado por correntes pelo clássico personagem Surtur, um
demônio em chamas, o herói faz piadas com fato de não conseguir permanecer
parado durante a conversa com a criatura. Neste ponto, ao ouvir o imortal riff
de Immigrant Song, pilar do Led
Zeppelin que embala a fuga do herói, percebemos de cara o tom da proposta.
Trata-se de um trabalho despojado, que se assume como comédia antes de qualquer
rótulo de ação. Assim, não é de se estranhar que existam piadas envolvendo um
Hulk pelado e suas possivelmente impressionantes partes intimas (“essa imagem
ficará presa em meu cérebro”, diz o asgardiano), ou quando, ainda no âmbito da
criatura verde, vemos Thor tentar embalar o monstro nas mesmas frases de ninar
que o acalmam e o transformam em Bruce Banner, mas somente quando proferidas
pela Viúva Negra. Já deu para imaginar o que esse insucesso causará.
O filme ainda conta com coadjuvantes de luxo que parecem não
atuar, mas, sim, brincar com seus respectivos papéis. É o caso de Cate Blanchett,
participando como Hela, irmã do herói e auto-intitulada Deusa da Morte (sentiu
o drama?) em uma presença que impressiona tanto pela beleza quanto pela
brutalidade de sua violência na tentativa de tomar Asgard, sendo este o plot
que movimenta o filme; e Jeff Goldblum no papel do excêntrico Grand Master,
espécie de imperador tirano que promove com o mesmo afinco e dedicação tanto
confrontos entre gladiadores em arenas quanto orgias em sua nave especialmente
projetada para tal fim.
Blanchett e suas pequenas surpresas |
Com suas cores berrantes e história descompromissada, Ragnarok representa para a Marvel uma
reformulação total de sua proposta, algo que poderia ter alcançado já em 2015
se tivesse permitido ao britânico Edgar Wright explorar suas ideias no que
acabou se tornando um apenas razoável Homem-Formiga,
filme que contaria com sua direção, mas acabou mudando de mãos por uma
imposição conservadora do estúdio. Aqui, com Taika Waititi coordenando os
cortes da claquete, o estúdio se dá uma segunda chance. Algo que, convenhamos,
após quase dez anos e dezesseis longas, merecia esse ousar em sua proposta.
Possivelmente, o melhor filme da Marvel Studios.
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