quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Thor: Ragnarok

(EUA, 2017) Direção: Taika Waititi. Com Chris Hemsworth, Mark Ruffalo, Tom Hiddleston, Cate Blanchett, Idris Elba, Tessa Thompson, Jeff Goldblum.


Por João Paulo Barreto

Após dois filmes insossos, a percepção de que Thor era um personagem que não funcionava muito bem em carreira solo dentro do universo cinematográfico da Marvel estava confirmada. Junto aos Vingadores, o filho de Odin conseguia se destacar de forma eficiente devido ao investimento dos roteiristas em sua interação um tanto cômica com os colegas de equipe, além de em uma suposta seriedade existente na presença de um Deus entre os humanos. Acrescente a isso a sua capacidade destrutiva com o martelo Mjölnir, some a interação violenta com o Hulk e, pronto, lá estava uma figura a se destacar naquele ritmo de videogame que o diretor Joss Whedon deu aos dois primeiros Vingadores. Porém, ao retirá-lo daquele contexto de equipe e colocá-lo para resolver os problemas tanto de seu planeta, Asgard, quanto do que resvalava de lá para a Terra (leia-se Loki, renegados alienígena e alguns monstros a destruir Londres), a figura mitológica de Thor parecia não engatar satisfatoriamente nas aventuras dirigidas por nomes como o do shakespeariano Kenneth Branagh (algo muito bem vindo na primeira aventura) e o de Alan Taylor, este, dono de uma carreira prolífica na TV, mas sem muito destaque no cinema.

Eis que chega o desconstrutor neozelandês Taika Waititi e resolve quebrar esse paradigma. A partir do roteiro escrito pela dupla oriunda dos quadrinhos, Craig Kyle e Christopher Yost (este último, um dos responsáveis pela parte dois, O Mundo Sombrio), além do exclusivo Marvel, Eric Pearson, Waititi investe exatamente nisso: na desconstrução do personagem e de quase todos os elementos que representam Thor em sua suposta complexidade e força. Coloque nessa conta, então, a destruição do Mjölnir e a perda tanto das madeixas loiras quanto de qualquer senso de seriedade (no bom sentido, friso), acrescente a dose exata de galhofa como as tentativas falhas de entradas e saídas de personagens em cena (Banner pulando de uma nave está entre as melhores), e o que fica após 130 minutos de projeção é essa sensação de um filme que consegue criar uma auto-paródia (a peça teatral em seu inicio - com a participação de Matt Damon! -, já paga o ingresso), brincar com seus próprios elementos mitológicos e ainda entregar uma aventura repleta da violência gráfica e sequências de ação de encher os olhos.

Thor e seu visual de gladiador
Iniciando com um Thor aparentemente a conversar com o espectador (esta, uma proposta de mockdocumentary que já havia sido apresentada pelo diretor em dois vídeos promocionais), o filme já diz a que veio em sua abertura, quando, preso e pendurado por correntes pelo clássico personagem Surtur, um demônio em chamas, o herói faz piadas com fato de não conseguir permanecer parado durante a conversa com a criatura. Neste ponto, ao ouvir o imortal riff de Immigrant Song, pilar do Led Zeppelin que embala a fuga do herói, percebemos de cara o tom da proposta. Trata-se de um trabalho despojado, que se assume como comédia antes de qualquer rótulo de ação. Assim, não é de se estranhar que existam piadas envolvendo um Hulk pelado e suas possivelmente impressionantes partes intimas (“essa imagem ficará presa em meu cérebro”, diz o asgardiano), ou quando, ainda no âmbito da criatura verde, vemos Thor tentar embalar o monstro nas mesmas frases de ninar que o acalmam e o transformam em Bruce Banner, mas somente quando proferidas pela Viúva Negra. Já deu para imaginar o que esse insucesso causará.

O filme ainda conta com coadjuvantes de luxo que parecem não atuar, mas, sim, brincar com seus respectivos papéis. É o caso de Cate Blanchett, participando como Hela, irmã do herói e auto-intitulada Deusa da Morte (sentiu o drama?) em uma presença que impressiona tanto pela beleza quanto pela brutalidade de sua violência na tentativa de tomar Asgard, sendo este o plot que movimenta o filme; e Jeff Goldblum no papel do excêntrico Grand Master, espécie de imperador tirano que promove com o mesmo afinco e dedicação tanto confrontos entre gladiadores em arenas quanto orgias em sua nave especialmente projetada para tal fim.


Blanchett e suas pequenas surpresas
Com suas cores berrantes e história descompromissada, Ragnarok representa para a Marvel uma reformulação total de sua proposta, algo que poderia ter alcançado já em 2015 se tivesse permitido ao britânico Edgar Wright explorar suas ideias no que acabou se tornando um apenas razoável Homem-Formiga, filme que contaria com sua direção, mas acabou mudando de mãos por uma imposição conservadora do estúdio. Aqui, com Taika Waititi coordenando os cortes da claquete, o estúdio se dá uma segunda chance. Algo que, convenhamos, após quase dez anos e dezesseis longas, merecia esse ousar em sua proposta. Possivelmente, o melhor filme da Marvel Studios.  

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