quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

De Volta à Normandia

(Retour en Normandie, França, 2007) Direção: Nicolas Philibert. Com depoimentos de Anne Borel, Claude Hébert, Nicolas Philibert, Nicole Picard.



Quando Michel Foucault escreveu sobre um assassinato ocorrido na Normandia, em 1835, no qual o jovem Pierre Rivière degolou com uma foice sua mãe e dois irmãos, seu maior interesse era estudar os aspectos jurídicos e psicológicos do caso, uma vez que a sanidade do réu foi questionada no tribunal e sua pena de morte acabou sendo comutada em prisão perpétua. Rivière, após ser preso, escreveu um longo depoimento explicando as causas de seu ato e, pela escrita do rapaz, percebeu-se um alto nível de conhecimento filosófico e uma retórica culta e apurada, levantando dúvidas sobre qualquer desequilíbrio mental que ele realmente pudesse ter. A partir dos seus escritos, pôde-se compreender melhor o que o motivou a um crime tão bárbaro e esse texto estimulou Foucault a se debruçar sobre o caso publicando, no começo da década de 1970, o livro “Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão".

Tendo o livro como base, o diretor francês René Allio dirigiu, em 1976, um filme homônimo no qual adaptou para o cinema a trágica história de Rivière. Filmado nas imediações do mesmo lugar onde o crime bárbaro ocorrera e utilizando camponeses locais como atores, Allio contava com o futuro diretor Nicolas Philibert como assistente e um dos responsáveis pela seleção do elenco. Pouco a pouco os atores foram sendo escolhidos na localidade e tendo suas vidas modificadas pela produção do longa metragem. Trinta anos depois, Philibert decidiu reencontrar aquelas pessoas para contar como foi a experiência de participar da produção e em como isso afetou suas vidas. O resultado é justamente esse De volta à Normandia.

O elenco composto por camponeses locais na época das gravações.

Apesar de transmitir uma premissa que parece ser interessante apenas ao diretor (e, no final, quando este revela a sua verdadeira motivação ao fazer o filme, isso fica ainda mais notável), De Volta à Normandia apresenta todos os principais atores do filme de Allio em suas vidas simples, longe de qualquer glamour ou fama que o cinema lhes pudesse proporcionar, mas com boas histórias e lembranças sobre aqueles dias cinematográficos. Narrado pelo próprio Philibert, a obra começa com imagens da estrada que leva ao povoado captadas do carro onde está a equipe de filmagem. A passagem é entrecortada por cenas do filme de Allio numa inteligente alegoria da volta no tempo que aquela viagem deve representar para o cineasta. 

O reencontro inicial de Philibert se dá com Joseph Leportier e Nicole Géhan, que no filme interpretaram o pai e a irmã do assassino. A entrevista revela uma nostalgia palpável de todas as pessoas do elenco. Ao conversar com Annick Géhan, ela diz que foi aconselhada por René Allio a não nutrir grandes sonhos sobre a carreira no cinema. Um reflexo do pensamento do diretor em relação às pretensões de seu filme. Em outro momento, Jacqueline Millière, que interpretou a mãe do assassino, confessa ter sido hostilizada por alguns indivíduos do vilarejo após o lançamento do filme. Era chamada de “mãe do demônio”. 

Parte dos atores do filme de Allio nos dias de hoje: nostalgia.
O filme de Philibert exibe os ex-atores em suas atuais ocupações. Um deles se tornou criador de porcos. Talvez um dos únicos defeitos do filme seja o modo gratuito como são mostradas as cenas em que um dos animais é abatido. Óbvio que há uma alusão direta aos assassinatos cometidos por Rivière, uma vez que a cena que abre o longa de Philibert exibe, de modo explícito, um parto de suínos.  Um deles, natimorto, tenta ser reanimado pelo criador, mas sem sucesso. Uma clara referência à condição desejada por Rivière, uma vez que, se não tivesse nascido, não teria cometido os atos monstruosos que devem tê-lo atormentado até o suicídio. 

Na época em que os crimes aconteceram, matricídio era considerado um ato hediondo, penalizado com morte. Apesar disso, Rivière teve sua pena comutada em prisão perpétua, vindo a se matar na prisão após um tempo. Philibert observa que na lei atual, matricídio é visto somente como um agravante à condenação por homicídio doloso. Uma discussão interessante que o filme não chega a aprofundar. De Volta à Normandia acaba servindo, justamente, como uma proposta de apresentação de personagens sem muito desenvolvimento pelo diretor. Uma colagem de rostos, mas sem um (necessário) aprofundamento.

Nicolas Philibert se debruça nas películas do filme de Allio: inspiração.

O mais esperado de todos, a figura de Claude Hébert, jovem de 18 anos que viveu o assassino no filme de Allio, é mantido em segredo por Philibert por boa parte do filme. Ao ser finalmente trazido à narrativa, sua atual vida não surpreende tanto como o efeito almejado pelo diretor, mas, ainda assim, causa certa reflexão. A produção do filme baseado na obra de Foucault trouxe mudanças à vida de todos os envolvidos, mas em Hébert, com 48 na época de seu depoimento à Philibert, essa mudança foi a mais palpável.

O assistente de direção afirmou que Allio, diante de todas as dificuldades na produção de Eu, Pierre Rivière..., não tinha medo de falhar na empreitada. Ele tinha medo era de não tentar. Do mesmo modo, todo o elenco amador do filme. E aquela coragem acabou deixando marcas em todos os envolvidos. 

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