segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Precisamos falar sobre o Kevin

(We need to talk about Kevin, EUA, UK, 2011) Direção: Lynne Ramsay. Com Tilda Swinton, John C. Reilly, Ezra Miller.



Uma das frases clichê proferida a respeito da criação de filhos é aquela que diz que “quem não o faz chorar no presente, chora por ele no futuro”. Esse pensamento martelou minha mente durante boa parte da projeção de Precisamos falar sobre Kevin, novo filme protagonizado por Tilda Swinton. Será mesmo que uma criação calcada na punição através de castigos, palmadas, cintos ou retaliações mais duras ajudaria a manter uma criança mais centrada no bom comportamento? Muitos tenderiam a dizer que não. No entanto, a percepção de um problema de não adaptação social que migra da infância para adolescência requer um cuidado bem maior do que o visto na criação do pequeno Kevin. Algo que a violência não resolveria, como poderemos comprovar no filme.

Eva (Swinton) sempre possuiu o espírito aventureiro. As imagens que abrem o longa com ela na famosa festa espanhola da Tomatina, onde milhares de pessoas guerreiam com tomates até as ruas virarem um mar com a polpa do legume, classificam bem seu comportamento fora das convenções sociais. Quando conhece Franklin (John C. Reilly) e se apaixona, não tarda muito a engravidar. Kevin nasce em um lar feliz. Os pais se mudam para uma bela casa no subúrbio, mas é perceptível que Eva não possui vocação para ser mãe. Esse julgamento pode parecer precipitado, uma vez que é comum algumas mulheres perderem o controle emocional com a depressão pós-parto e as dificuldades para criar um recém nascido. Porém, as falas da mãe para com o bebê confirmam essa teoria. “Se você não tivesse nascido, mamãe estaria na França, agora”.

Eva em sua fase de liberdade antes do casamento
Kevin, apesar de ser um bebê saudável, chora o tempo todo, levando a jovem mãe ao desespero. Em uma cena non sense, ela pára em frente a uma britadeira no intuito de encobrir o barulho da criança com o som da máquina. Não tarda muito a desconfiarem de possíveis problemas auditivos ou de fala no garotinho. Até um possível autismo. Mas nada é diagnosticado. Kevin, excetuando o fato de não responder aos impulsos da mãe e ainda usar fraldas em uma idade já avançada, é uma criança normal. Ocorre que comportamentos maliciosos e provocativos, como o de já possuir controle de suas funções fisiológicas e, ainda assim, usar as fraldas para provocar Eva ou o de usar um momento de raiva de sua mãe (o que gera sequelas físicas no garoto) para chantageá-la emocionalmente, acaba por mostrar que Kevin possui um comportamento social que poderá evoluir para algo bem mais grave no futuro.

Mesmo ausente, Franklin, o pai, se esforça para manter um ambiente harmonioso em sua família. Apesar de ser manipulado por Kevin, que se comporta de maneira diversa na presença dele, Franklin não percebe a crescente psicopatia do filho para com Eva. Aliás, ele nem chega a perceber a segunda gravidez da esposa, algo que denota bem sua ausência. Quando ouve Eva culpar Kevin por certo ato que acaba levando a um acontecimento grave com a caçula do casal, Franklin se nega a cogitar que seu filho tenha alguma culpa no ocorrido.

Apáticos, Eva e Franklin tentam administrar os crescentes problemas domésticos
Utilizando de forma um tanto óbvia (mas eficiente) a cor vermelha como uma representação da trágica vida de Eva, a diretora Lynne Ramsay cria uma rima visual que torna esse simbolismo uma ótima maneira de mostrar como o ato final de Kevin impactou a vida de sua mãe. Desde a cena inicial, quando Eva se encontra imersa nos tomates, até sua obstinada limpeza da fachada de sua casa recentemente vandalizada (numa clara metáfora da necessidade de limpar sua própria vida), o vermelho se faz presente como uma lembrança dolorosa de Kevin. Deste modo, a relação entre mãe e filho é trabalhada de forma a torná-los dependentes um do outro, algo bem revelado pelas cenas onde vemos fusões nos rostos dos dois, por exemplo. E o filme, que mantém como surpresa a ação do adolescente até os seus momentos finais, torna perturbadora a ansiedade por esse desfecho, uma vez que os flashbacks e a narrativa fragmentada mantêm o espectador ciente de que algo muito grave está por vir.

O maior mérito da produção é o de exibir as sequelas que a ação do rapaz trouxe para sua mãe. É através dela que conhecemos a outra face de uma tragédia: a de quem fica. A de quem vai sofrer todas as ações de culpa pelos atos de seu descendente. Hostilizada pelas pessoas nas ruas e excluída socialmente através de uma ação que fugiu ao seu controle, Eva se vê sozinha em um mundo onde não conseguirá se readaptar. Curiosamente, é no abraço daquele que provocou sua desgraça que ela encontrará o único consolo para seus erros. 

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