terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O País dos Surdos

(Le Pays des Sourds, França, 1992) Direção: Nicolas Philibert. Com depoimentos de Jean Claude Poulain, Abou Baker, Anh Tuan.


Em seu quarto trabalho, Nicolas Philibert acerta mais uma vez ao apresentar um documentário centrado nas dificuldades das pessoas surdas em se adaptar ao mundo moderno. O País dos Surdos traz o foco de sua narrativa para o fator humano (diferente do anterior Cidade Louvre e do posterior Um Animal, Os Animais) e apresenta vários personagens reais em suas diversas atividades no silencioso mundo em que vivem. Desde as crianças que precisam frequentar fonoaudiólogos para desenvolver um mínimo da fala através de testes de audição até adultos que estudam linguagem dos sinais para o idioma francês, o cineasta apresenta fascinantes trajetórias de vida.

Cada personagem cativa o espectador de forma singular. O garotinho Florent, por exemplo, se esforça ao máximo para conseguir entender as palavras ouvidas através de imensos headphones. Tenta com todo afinco repetir as palavras que sua professora pede para a sua classe dizer. E chora de modo tocante quando não consegue interagir socialmente entre os colegas. Há, também, Jean Claude, já um senhor, surdo desde a infância, que ensina linguagem de sinais e técnicas corporais a outras pessoas também surdas. Boa parte da admiração que o longa capta vem dos depoimentos que Jean Claude dá à câmera de Philibert.


O pequeno Florent tenta se adaptar àquele mundo silencioso

Através, claro, da sua linguagem própria, ele conta sua história de vida descrevendo momentos de pura emoção, como quando teve sua primeira filha e ansiou para que ela também fosse surda, para, assim, a comunicação se dá com maior facilidade. A garota nasceu com a audição normal obrigando o pai a rever seus conceitos. Curiosamente, ao assistir a esse depoimento, entendemos perfeitamente a opção de Jean Claude a querer ter um filho com as mesmas condições físicas dele. A sua vontade era de criar seu rebento de forma diferente da que ele foi criado. Na escola, Jean Claude era obrigado a andar com as mãos amarradas para trás, uma vez que as linguagens manuais eram proibidas. Um reflexo da ignorância autoritária dos professores que, dessa forma, acreditavam que as crianças iriam falar de qualquer modo. Ao querer que sua garotinha fosse surda, Jean Claude queria ensiná-la que não era preciso se envergonhar da sua condição física, mas, sim, aprender a viver com ela.

Outros personagens apresentam depoimentos de profundo impacto, como o jovem que diz que optou por não usar aparelho auditivo porque, ao colocá-los nos ouvidos, conseguia captar todos os sons de forma, ironicamente, ensurdecedora. Era o caminhar de alguém que nunca havia estado naquele determinado lugar, mas percebeu-se totalmente inapto a viver ali. O mundo dos surdos lhe era bem mais confortável. Nada mais natural, uma vez que conseguia se comunicar com seus familiares de forma natural através dos sinais.

Jean Claude gesticula para se fazer entender em seu cativante depoimento

Ao optar por não usar qualquer trilha sonora no filme, Philibert nos insere em um ambiente semelhante ao dos seus personagens, que vivem em um silêncio constante e que, com ele, tiveram que se habituar a viver. Curiosamente, notei alguns espectadores na sala comentarem  certo incômodo por causa do silêncio dito “ensurdecedor” da obra. A única coisa que me veio à mente foi o fato de que nós que assistíamos ao filme só precisávamos ficar naquelas condições por, no máximo, 100 minutos. Será muito? Alguém ali chegou a pensar no quão insuportável deveria ser para quem é obrigado a passar por aquela sensação durante toda a vida? Ou, melhor, alguém ali conseguiu captar a mensagem do filme ao perceber o sorriso afetuoso de Jean Claude no último momento do documentário ao afirmar que consegue viver e se comunicar perfeitamente do modo como fez desde sempre? Gosto de pensar que o filme de Nicolas Philibert não foi apenas um entretenimento, mas, sim, uma reflexão.

7 comentários:

  1. Olá João Paulo, como vai? Sou uma colega jornalista :-) Instigante seu comentário sobre o filme. Gostaria de assisti-lo, mas só encontrei o original em francês no You Tube - e meu francês não é bom :-) Acaso vc me indicaria um link, com legendas em inglês? Abs e obrigada,
    Renata
    renatacortemartinho@gmail.com

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  2. Olá, Renata. Obrigado pelo feedback. De fato, um filme tocante. Olha, tentei localizar um torrent para download do filme, mas sem sucesso. Caso encontre, mando pra você o link por e-mail. Abraço. Jp

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  3. É tocante,dificuldades,superação diária.

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  4. "E chora de modo tocante quando não consegue interagir SOCIALMENTE entre os colegas."

    Preciso destacar essa palavra na qual coloquei em caixa alta, pois quem for assistir o filme o momento do choro da criança Florent, NÃO está num contexto de socializar com seus amigos por exemplo se estivessem no pátio, e SIM um choro dentro da sala de aula fazendo o exercício! a dificuldade encontrada por ele, além do tratamento da professora! pela expressão você vê o desespero da criança no conseguir falar! Sendo assim pra mim foi muito forte esta cena, na qual chorei e partiu meu coração e meu posicionamento contra a oralização.

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    1. De fato, a dificuldade de florent não era socializar, mas sim realizar a tarefa que ele não conseguia. Teve inclusive seu sofrimento deslegitimizado, sendo chamado de "bebê" pela professora. Quanto à socialização, Florent não tinha nenhum problema. Isso pode ser observado na cena seguinte, na qual eles estão sentados na mesa lanchando, se comunicando e sorrindo. É um cenário completamente leve e diferente da tensão constante da sala de aula, que eles são constantemente testados

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