terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Os Descendentes

(The Descendants, EUA, 2011) Direção: Alexander Payne. Com George Clooney, Shailene Woodley, Amara Miller, Nick Krause, Robert Forster, Beau Brdges.


Há uma reflexão em Os Descendentes, novo filme de Alexander Payne, que é comum na maioria dos seus trabalhos. É aquela ideia de balanço da vida que algumas pessoas se vêem tentadas a fazer quando alcançam uma certa idade (normalmente a faixa pós quarenta anos) e  percebem que não houve algo realmente relevante construído em suas vidas. Não estou falando de coisas materiais (apesar de que muitos dos seus personagens podem levar essa discussão por esse caminho), mas, sim, de relações humanas plenas, sedimentadas através de anos de relacionamento e convívio afetivo.

Basta observar seus dois últimos longas, As Confissões de Schmidt e Sideways, para comprovar uma forte relação do diretor com o incômodo que as pessoas sentem com a sensação de tempo perdido trazida pelo conformismo e pela rotina. Em Os Descendentes, a descoberta de ter sido traído por Elizabeth, sua esposa, que hoje está em coma após um acidente de lancha, causa ao advogado Matt King (Clooney) um sentimento mais intenso. Além de não poder nutrir esperanças de ver sua mulher voltar a vida, ele ainda precisa lutar contra o rancor que sente pela mãe de suas duas filhas justamente pelo fato dessas duas pessoas precisarem de seu total apoio agora. E a sensação de não ter podido ser um bom marido enquanto pôde o torna ainda mais magoado. Vê-lo ensaiar um diálogo de reparação que pretende travar com sua esposa quando ela acordar é algo tocante justamente pela sua condição sem esperanças.

Do mesmo modo que o personagem título de Jack Nicholson em Schmidt, que após a perda da mulher, conhece melhor o passado dela, Matt precisará rever todo o seu sentimento por Elizabeth para que consiga administrar a situação que vida lhe impõe. E do mesmo modo como o Miles de Paul Giamatti, em Sideways, há uma sensação de não adaptação àquela vida que ele é obrigado a encarar. No seu caso, devido à falta de sua esposa. Ausente na criação das filhas Alex, de 17 anos, e Scottie, de 7, Matt assume essa falha em sua postura (“sou um estepe”, afirma em sua narração em off se referindo à sua condição de pai), mas percebe que na atual conjuntura, uma mudança de perfil se faz urgente.

Matt e seus descendentes, Alex e Scottie
Os Descendentes é, então, a história de um homem se adaptando a uma nova condição sem que haja tempo para uma análise criteriosa de todos os pontos. Além da sua situação familiar, há os negócios de Matt, que também envolvem questões de família. Herdeiros de uma quantidade de terra virgem no Havaí, ele e seus primos negociam a venda dos terrenos em uma transação que os tornará milionários. Com tudo isso em mente, Matt ainda precisa lidar com o incômodo que é a pretensão de encarar o amante de Elizabeth, algo que ele vê como uma forma de exorcizar seus fantasmas e seguir adiante. Equilíbrio é a palavra de ordem em sua vida. Equilíbrio que ele parece manter a todo custo e só aparenta (quase) perdê-lo no momento em que arrisca uma postura mais enérgica com Elizabeth. Talvez pelo fato de, claro, ela não poder ouvi-lo.

Com uma atuação contida que, nas mãos de um ator inexperiente, poderia cair no descontrole piegas, George Clooney consegue transmitir muito bem todo esse equilíbrio de Matt King. Sem precisar levantar a voz em momento nenhum, mesmo em situações onde a calma cederia lugar à raiva e ao desespero tranquilamente, King percebe o quão é importante para sua atual situação manter sua plenitude. E não são poucos os momentos em que se percebe essa economia singela na atuação de Clooney. Observe determinada cena em que ele fala para um personagem que este poderia ter tido a decência de mentir sobre certo assunto. Dá para ver nos seus olhos a vontade que ele tem de ser violento, de liberar sua raiva em socos, mas se percebe como um pai e exemplo a ser seguido e não cede àquela tentação.

Não somente a atuação de Clooney se destaca como a de seus coadjuvantes. Robert Forster (de Jackie Brown) no papel do sogro de Matt transparece todo rancor que sente pela ausência do genro no casamento com sua filha. Não há como não se sensibilizar com o pesar que ele, como pai, deve estar sentindo pela situação que passa Elizabeth. Quando ele recrimina Matt dizendo que sua filha sempre foi uma esposa fiel e devotada, dá para perceber no olhar de Matt toda a compreensão da dor que qualquer revelação sobre o comportamento de sua esposa causaria a seu sogro. E ver Forster com toda aquela fragilidade que a idade do seu personagem pede (ele, inclusive, já tem 70 anos) denota ainda mais a tristeza de saber que a sua criança está morrendo. Ou você acha que os filhos crescem e se tornam adultos nos sentimentos dos pais? Ledo engano. Basta observar o modo como ele se refere à filha para com sua já senil esposa.

Robert Forster se destaca em uma tocante atuação em apenas duas cenas

Payne demonstra, mais uma vez, uma direção coesa, centrada no contar da história, sem a necessidade de firulas para impressionar visualmente o espectador. De modo inteligente, ele insere imagens que ajudam a moldar a narração em off feita por George Clooney no começo do longa, como por exemplo a cena em que Matt sobe as escadas do hospital, esperançoso na melhora de sua mulher, enquanto o ouvimos dizer que aquela será uma chance deles vencerem aqueles obstáculos (degraus) dos problemas familiares. Ou quando há uma pertinente observação feita por Matt quando este compara seus familiares a ilhotas em um arquipélago como o Havaí: sempre perto, mas nunca realmente próximos uns dos outros. Algo que é salientado nas representações das viagens de avião feitas por Matt pelo conjunto de ilhas para buscar sua filha mais velha e, também, encontrar com outros parentes.

Apesar de contar com as belíssimas locações do estado do Havaí, Payne não as usa de modo gratuito, com o puro intuito de emoldurar suas cenas. Pelo contrário. Ele mantém boa parte do filme centrado na área urbana de Honolulu e até brinca com a ideia de que o senso comum faz crer que todos na cidade passam seus dias na praia, surfando e se bronzeando. E quando insere qualquer imagem das belezas naturais havaianas, ele faz com um contexto, como quando mostra às filhas toda a imensidão de terras que sua família possui. Uma imagem ainda mais bela por conta da fotografia de Phedon Papamichael (que, após Sideways, repete a parceria com Payne depois de também ter trabalhado com Clooney em Tudo pelo Poder).

 Ainda assim, para manter a identidade do lugar onde sua história se passa, o cineasta não abriu mão da trilha sonora característica das ilhas, algo que ajuda a contrastar com o aspecto emocional da história, prova de que o diretor quis fugir da apelação piegas assim como Clooney em sua  sóbria atuação.

Apesar da resolução um tanto idealizada no que tange à questão da venda e partilha das terras junto aos primos de Matt, o filme termina mantendo uma pertinente mensagem quanto a importância de um núcleo familiar. O balanço citado no começo desse texto é finalmente feito por Matt King.  E isso se dá sem o apelo gratuito e emocional que um diretor menos cuidadoso teria. Por sorte, temos Alexander Payne. 

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