Após visitar a biografia do jazz man Charlie Parker e um dos momentos mais marcantes da trajetória do ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela, Clint Eastwood volta sua lente para outra figura que ajudou a compor o século XX. Dessa vez, o veterano diretor investigou a vida de John Edgar Hoover, chefe do FBI durante 48 anos. Na figura envelhecida (e ineficiente) de Leonardo DiCaprio, a produção começa com a imagem do homem revivendo suas memórias. E será através de diversos flashbacks que o filme focará a vida pessoal por trás da (perceptível) falsa fachada de durão que J. Edgar transpareceu durante toda sua vida.
O filme retrata a vida do jovem John Edgar desde o começo de sua carreira profissional, em 1919, no Departamento de Justiça dos Estados Unidos, local onde passou a investigar estrangeiros em solo americano seguindo toda a paranóia comunista que começava a rondar o solo ianque e que culminaria com a ascensão do senador Joseph McCarthy na famosa “caça às bruxa” dos anos 1950. Mostrando a motivação do protagonista contra os partidários bolcheviques de forma maniqueísta, Eastwood foca a origem desta dedicação anticomunista enquadrando-os como terroristas, uma vez que o longa já se inicia com um atentado a bomba na casa de um dos superiores de Edgar. Ou seja, o diretor acaba demonstrando certa preguiça ao exibir somente no lado americano das intenções políticas da época.
A ineficiente maquiagem transforma o jovem DiCaprio na figura idosa de Hoover |
A partir das palavras do próprio Edgar, conhecemos sua trajetória profissional na caça aos famosos gangsters queridinhos da mídia, como John Dillinger, Pretty Boy Floyd e Baby Face Nelson. Em um dos melhores momentos do filme, vemos a decepção de Hoover ao perceber que os vilões da história, ou seja, os gângsteres, acabam se tornando os heróis com a ajuda do cinema. Após exibir um discurso de Edgar em uma sessão de cinema (onde foi vaiado, inclusive), Eastwood utiliza cenas de Inimigo Público, filme da Warner, de 1931, no qual James Cagney interpretava criminoso, o que acaba colaborando com a ascensão dos elementos como heróis da mídia.
Através de eficientes (porém previsíveis) elipses, o filme viaja durante todo o período em que Edgard esteve na direção do Bureau. Eastwood, através do roteiro de Dustin Lance Black (Milk) consegue captar bem toda a insegurança pessoal que havia por trás da fachada rígida e, supostamente, impenetrável de Hoover. Um homem inseguro, que cogita pedir a mão de uma garota em casamento após o primeiro encontro, pois precisa provar para si mesmo que é heterossexual. A garota em questão, Helen Gandy (Namoi Watts) passa a acompanhar o chefe do FBI durante todos os seus 48 anos de gestão.
Em uma atuação que, perceptivelmente, acaba se apoiando na maquiagem deficiente (algo que se estende para todos as versões idosas dos elenco principal), DiCaprio utiliza diferentes entonações na voz para demonstrar toda a fragilidade da personalidade do seu protagonista. E se soa deslocado ouvir a mesma voz jovial do ator em uma imagem plástica e envelhecida, é na versão jovem do chefe do FBI que ele consegue se destacar melhor. Procurando falar sempre rápido para que não percebam sua evidente gagueira quando está nervoso, DiCaprio consegue exibir toda a fragilidade do personagem ao inserir curtas pausas para recomposição antes de continuar seus discursos.
O atormentado Edgar entre conservadorismo materno e sua paixão |
Contando com uma reconstituição de época e de figurino primorosa, J. Edgar apresenta o período de toda primeira metade do século XX de modo competente, algo que já é esperado nos trabalhos de época que o diretor decide realizar (basta observar o recente A Troca). E é realmente prazeroso vê-lo inserir na trama todos aqueles personagens históricos como o aviador Charles Lindbergh, que teve seu bebê raptado e o seqüestrador encontrado pela equipe chefiada por Edgar. Além dele, o filme trabalha bem figuras como a de Robert Kennedy e Franklin D. Roosevelt.
Claro que muito do mérito e ousadia da produção em trabalhar os conflitos internos do protagonista com suas preferências sexuais se deve ao trabalho de Black, conhecido também pelo seu ativismo na defesa dos direitos dos gays. É justamente a sutileza com que esse incômodo do personagem com sua homossexualidade não assumida é trabalhada que mostra a maturidade perceptível da direção de Eastwood. Ao manter todas as cenas entre Hoover e seu assistente, Clyde Tolson (Armie Hammer, de A Rede Social), com uma palpável tensão sexual, o diretor acerta em algo que, friso, denota o principal desconforto de J. Edgar em sua vida pessoal. Afinal, o que esperar de um homem repleto de problemas com sua personalidade, que devotou à sua mãe conservadora (Judi Dench) toda atenção e apego, uma mulher que afirmou preferir ver o filho morto a homossexual? E nesse ponto, o roteirista acerta novamente ao relacionar a progenitora do protagonista como uma das explicações do folclore por trás dos hábitos de Hoover em se travestir.
E é justamente esse o mérito do filme e do próprio Eastwood. Um diretor conhecido como conservador que soube apresentar de forma sensível o principal ponto a ser discutido da vida de um mito de caráter duvidoso e atitudes hipócritas: suas guerras psicológicas.
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